O Banqueiro dos Pobres
Muhammad Yunus
Muhammad Yunus nasceu em Bangladesh, sendo o terceiro filho de uma família de 14 irmãos. O ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006 é considerado o criador do conceito de microcrédito. Sua grande missão na vida é acabar com a pobreza extrema.
Economista de formação, resolveu sair da “comodidade e alienação” do ambiente universitário e ir para a rua, fazer a diferença como empreendedor social. O modelo de banco que criou lá no início da década de 70 nasceu como um negócio de triplo impacto, muito antes de existir a sigla ESG (de Governança Ambiental, Social e Corporativa), que norteia parte dos negócios transformadores do Sec XXI.
Sua trajetória, além de inspiradora, traz uma série de insights relevantes para as pessoas, empresas e instituições que tratam de resolver os problemas da atualidade. Yunus nasceu em uma família de classe média e era um privilegiado em seu país. Foi escoteiro na infância e começo da adolescência. Com esta atividade, além de liderança, conheceu o seu primeiro mentor, Quazi Sirajul Huq e desenvolveu um mindset de crescimento, aprendendo a ser mais exigente consigo mesmo e a “canalizar suas paixões e agitações”. Se formou em economia na Universidade de Chittagong e aos 22 anos já era professor e tinha montado uma lucrativa empresa de embalagens com o seu pai, um joalheiro muçulmano. Cedo, percebeu que ganhar dinheiro não seria um problema em sua trajetória.
Até que surgiu a oportunidade de fazer um doutorado nos EUA, com uma bolsa da Fundação Fulbright. De longe de casa, acabou se transformando em um ativista pela liberação de seu país na guerra com o Paquistão. Ficou quase 10 anos nos EUA e, em 1972, voltou a sua Universidade natal com a cultura ocidental incorporada a sua personalidade e com muito idealismo e vontade de ajudar a transformar seu país. Começou vendo que as coisas em seu entorno eram muito diferentes do que via na Universidade. Pareciam dois mundos paralelos. As teorias econômicas não conseguiam explicar o que existia a seu redor: pobreza extrema, em uma terra desértica em volta do campus.
“Uma universidade não deve ser uma torre de marfim onde intelectuais se deixam entusiasmar pelo conhecimento sem partilhá-lo com o mundo que o cerca”, em um pensamento similar ao de Mike Lazardis e da Universidade de Waterloo, no Canadá.
O Professor Yunus fundou o Banco Grameen, um banco autossustentável, que tinha como objetivo principal transformar a realidade das pessoas a sua volta. Construiu um modelo viável de melhoria de vida para pobres e miseráveis. Primeiro, com dinheiro do próprio bolso e, mais tarde, com ajuda do governo, começou a conceder créditos para pessoas miseráveis, aquelas que viviam na extrema pobreza e eram totalmente marginalizadas pelo sistema bancário tradicional.
O Banco Grameen uniu um propósito muito potente com uma execução planejada e pragmática. Sua metodologia para a resolução de problemas serve para todo o tipo de empresas e mostra, uma vez mais, que não há limites para o potencial transformador do empreendedorismo em melhorar a vida das pessoas.
Propósito claro: é muito importante saber exatamente qual problema você quer resolver. Isso te mantém no rumo e permite buscar todos os meios e ferramentas possíveis para resolvê-lo. No caso de Yunus, este propósito claro, passou por uma definição objetiva de o que era pobreza. Ele apontava a pobreza absoluta, seu objetivo era ajudar a melhorar a vida das pessoas 20% mais pobres de cada comunidade.
“Como as marcas de navegação em mares desconhecidos, as definições devem ser precisas e sem ambiguidade. Toda a definição frouxa colocará tantos problemas quanto a ausência de definição. ”
Time Comprometido: o recrutamento dos colaboradores do Grameen respeita uma seleção muito cuidadosa. Em primeiro lugar, buscam pessoas que compartilham o propósito da empresa, que tenham como tarefa primordial mudar a vida dos financiados. Para isso, têm que ser capazes de construir uma relação de longo prazo com os seus clientes e estejam dispostos a passar boa parte do tempo com eles, observar sua vida, seu trabalho, ver seus filhos crescendo, chorando, se desenvolvendo. Compromisso, centralidade no cliente e relações de longo prazo. O próprio Yunus define o perfil das pessoas que conseguiriam estes objetivos: “Para que um colaborador inspire confiança e insufle coragem a um financiado deve demonstrar algumas qualidades raras: um grande instinto de sobrevivência, poder de comunicação e psicologia. ”
Ele completa: “A pobreza é uma doença crônica. Não pode ser curada com medidas improvisadas. Pode haver medidas de curto prazo, mas é preciso ter em mente uma estratégia de longo prazo quando se dá um rápido passo tático. A continuidade das relações cria um clima de confiança, que ajuda a estabelecer a base para um nível superior de relacionamento. Nesse sentido, um programa curto é totalmente inócuo. Por isso, é tão importante ter funcionários empenhados durante todo o trabalho de implantação do programa, pessoas que encaram com a maior seriedade a tarefa de erradicar a pobreza de nosso país”.
Execução inovadora – um motor de credito adaptado: o Banco Grameen criou o conceito de microcrédito – empréstimos com ticket médio de cerca de usd 300 e nível de inadimplência próximo a 5%, o que é muito baixo para um público com renda reduzida e pouco estável, 100% gerada na informalidade.
Isso funcionou porque o banco adaptou o produto (empréstimo) a seu público alvo. Em primeiro lugar, 94% dos empréstimos são concedidos a mulheres, maioria esmagadora da população mais pobre e totalmente marginalizada em uma sociedade tradicional muçulmana, como a de Bangladesh. Em segundo lugar, os empréstimos do banco são concedidos a um grupo de pessoas e não a um indivíduo. Para conseguir acesso ao crédito, a pessoa tem que convencer outras 5 pessoas não aparentadas, com o mesmo status econômico a formar um grupo e se responsabilizar pelo empréstimo. Todos os componentes do grupo passam por um treinamento, onde entendem a responsabilidade de cada um no processo. Esta seleção cuidadosa e criteriosa, garante principalmente que a pessoa tenha uma convicção muito grande de porquê e para que está solicitando o dinheiro – normalmente para empreender. Além disso, “o indivíduo isolado tem tendência a ser imprevisível e indeciso. Num grupo, ele se beneficia do apoio e do estímulo de todos e, com isso, seu comportamento se torna mais regular e ele passa a ser um financiado mais confiável”.
Outra adaptação importante em relação aos empréstimos dos bancos tradicionais, foi a periodicidade de pagamento das parcelas. Ao invés de parcelas mensais, o Banco Grameen cobra as parcelas a cada semana. Este esquema se adapta melhor ao tipo de renda das pessoas e ainda aumenta muito a confiança delas em que podem pagar os empréstimos.
Finalmente, nada de advogados ou empresas de cobrança para recuperar os empréstimos não pagos. O crédito no Grameen é baseado na confiança e na honestidade. Se o cliente não pagou, era porque não podia. Que sentido faz gastar dinheiro com advogados, se sabem que os clientes não podem pagar? 5% vai para perdas e fim da história.
Persistência: que, como vimos em várias oportunidades, tem grande correlação com a sorte. A ponto de fazer o impossível se tornar realidade. A trajetória de persistência do Professor Yunus é louvável, digna de um Prêmio Nobel. Você precisa ser apaixonado pelo seu problema se você quiser mudar as normas econômicas, sociais e culturais de uma sociedade. Primeiro você tem que convencer o sistema bancário a operar com um produto que não faz sentido, depois as mulheres trabalharem mesmo contra a vontade de seus maridos em uma sociedade em que isso é proibido e muitos outros desafios que enfrentou o Grameen em sua trajetória.
O Banco Grameen é um dos mais famosos casos de empreendorismo social. Uma empresa verdadeiramente a frente do seu tempo. Aberta, inclusiva, inovadora, centralizada no cliente e que almeja levar serviços financeiros aos pobres, antes de ter lucro. Seus indicadores financeiros (ROE médio abaixo de 10% de 2002 a 2019 e IE próximo a 100%), o mantém longe dos investidores tradicionais, não podem ser medidos de forma isolada, sem levar em conta o impacto social enorme que seus usd 2 bilhões de ativos têm nas quase 30 mil comunidades e 22.5 milhões de pessoas atendidas pelo banco.
“Um mundo sem pobreza não seria perfeito, mas seria aquele que mais se aproximaria do mundo ideal”.
“Cabe a nós decidir que rumo tomaremos. Somos os pilotos e os navegadores de nosso planeta. Se levarmos a sério nosso papel, o destino que nos aguarda será necessariamente o que previmos”. Gostei muito da definição de Yunus para o empreendedor: “Empreender nada mais é que utilizar a coragem e o desespero para fazer as coisas se mexerem”….
Outras passagens, do autor do livro, curiosamente, um crítico de programas sociais, que ele compara a esmolas no semáforo e que termina matando o espírito empreendedor das pessoas:
“A caridade, como o amor, pode se transformar em uma prisão”.
“A caridade não é absolutamente a solução para a pobreza. Ela apenas a perpetua, retirando dos pobres a iniciativa. A caridade nos permite prosperarmos na vida sem nos preocuparmos com a existência dos outros. Com ela a nossa consciência fica apaziguada”
“O Estado criou burocracias maciças com normas e procedimentos para cuidar dos pobres. Quantias generosas de dinheiro dos contribuintes são reservadas para financiar estes programas. Mas quaisquer que tenham sido as realizações desse apoio, ele certamente não criou oportunidade iguais para todos. Os filhos de pais que vivem do seguro-desemprego normalmente passam sua própria vida vivendo também do seguro-desemprego”
“A partir deste dia dediquei-me a desaprender a teoria para no lugar disso, extrair lições do mundo real…”
“Ao contrário do que ocorre nos outros bancos comerciais, nossos funcionários são, antes de mais nada, professores preocupados em levar os financiados a descobrir seu potencial oculto, a ampliar seus horizontes, em suma, a dar o melhor de si. ”
“Acima de tudo, o que queremos é criar uma atitude de resolução de problemas entre os funcionários”.
“…acreditamos que todo o problema tem uma solução, na verdade muitas soluções, apenas temos de procurar encontrar a melhor delas. Se mergulharmos o suficiente no problema, podemos começar a tocar a superfície da solução e então encontrar ou criar outra configuração, de modo a fazer desaparecer o problema. ”
“Considero que o crescimento da atividade de consultoria desencaminhou gravemente os organismos doadores internacionais” Sobre como os consultores internacionais, além de abocanharem parte muito relevante dos recursos destinados a resolver os problemas dos pobres, acabam tendo visões distorcidas da realidade que tem pouco ou nenhum impacto para resolver os problemas, visão similar à de Nassin Taleb, e aqueles que não arriscam a pele.
“A concepção de Desenvolvimento precisa ser redefinida: desenvolvimento deve significar uma mudança positiva no status econômico dos 50% da população que vivem em condições de vida inferior. Se não ajudar a melhorar a condição econômica dessa faixa da população, então não se trata de ajuda para o desenvolvimento. Em outras palavras, é preciso julgar e medir o desenvolvimento econômico pela renda real per capita dessa população. ”
“Os especialistas não paravam de nos explicar que o que o Banco Grameen estava tentando fazer era impossível. ‘Está certo, nós somos loucos. Mas não tem importância, continuaremos tentando’”
“… nosso objetivo principal são as pessoas, e não as regras e procedimentos. ”
“Criado numa família tão numerosa… compreendi toda a importância da lealdade familiar, a eficácia do incentivo e a necessidade de ajuda mútua, e também a arte da conciliação…”
“Desde que me entendo por gente, sempre pensei em mim como um professor, e até hoje é assim”
“Tudo o que precisavam era de um ideal para abraçar, uma causa pela qual se bater”.
“Às vezes a sorte faz as coisas direito. Basta encontrar a pessoa certa no momento certo para que tudo se encaixe. Alguns meses antes meus projetos para os pobres não saiam do lugar; e eis que encontrei o homem certo e nosso pequeno projeto universitário mudava de dimensão para se tornar um banco experimental que iriai nos conferir alguma notoriedade no plano nacional. ”
A realidade dos bancos “um Sistema Institucional para ajudar pessoas a encontrar dinheiro em caso de necessidade… Quanto mais você tem, mais facilmente você obtém… Se você não tem nada, não vai obter nada”.
“Além de sermos abertos à diversidade de opiniões e de estilos pessoais, nós a encorajamos. Não poderia haver inovação sem um clima de tolerância, de diversidade e de curiosidade. Num contexto demasiado rígido não há lugar para a criatividade”.


Adoro esse quadro que você coloca no final.
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Uau! Muito bom! Realmente inspirador!
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