Incógnito: as vidas secretas do cérebro

Incógnito: as vidas secretas do cérebro             

David Eagleman

Nosso cérebro tem, em média, 1,2 kg e é considerado o elemento mais complexo descoberto no universo. Está composto por milhões de neurônios e glias, uma massa biológica que se comunica via processos eletroquímicos e físicos. Via centenas de processos simultâneos, alguns deles independentes entre eles, o cérebro controla todas as nossas ações e pensamentos. Capta e processa informações para guiar nosso comportamento.

Neste livro, publicado em 2013, o neurocientista americano David Eagleman repassa, de maneira resumida e acessível, os principais descobrimentos realizados em relação ao cérebro humano.

Primeiramente, demonstrando que grande parte de nossas ações e emoções são totalmente inconscientes, a ponto de questionar o verdadeiro livre arbítrio que temos como seres humanos. Para mostrar como a ideia de consciente e inconsciente foi se materializando ao longo do tempo, Eagleman passa pelo espirro observado por Tomás de Aquino (1225-1274), pelas comparações de ações inconscientes entre animais e humanos feitas por Leibniz (1646-1716), pelos nervos sensoriais e motores de Charles Bell (1774-1842), as medições do tempo de pensamento de James McKeen Cattel (1860-1940), que começaram a dar uma base mecânica e matemática para o que passava no nosso cérebro, até Freud (1856-1934), com suas investigações acerca do comportamento humano e de que nossa mente consciente era somente a ponta de um iceberg de uma massa de emoções e processos inconscientes.

No segundo capitulo, explora alguns de nossos sentidos para mostrar as diferenças entre a realidade e a experiência que temos. Com muitos exemplos a respeito de nossa visão, demonstra que o que vemos é uma ilusão construída por nosso cérebro. Construída e aprendida. Para ver de forma eficiente, precisamos não somente que nosso sistema ocular esteja com todos os componentes funcionando, mas também de um tempo de coleta e processamento dos dados por parte do cérebro. Ele precisa aprender sobre os objetos e elementos que nunca viu antes para conseguir enxergá-los.

Neste sentido, nossa mente não atua como uma linha de montagem (A -> B -> C), funciona como um circuito circular, que se retroalimenta de forma constante (recorrência): A->B->C; C->B; C->A; B->A. E com todos os sentidos de forma simultânea. Esta característica dá a nosso cérebro a capacidade de fazer predições, se adiantar a eventuais entradas sensoriais. Imagine que você tenha que agarrar uma bola de beisebol no alto, somente dependendo de sua visão. Quando vai agarrar a bola que acabou de ver, ela não estará mais lá. Para conseguir agarrá-la no alto, seu cérebro faz contas físicas de velocidade e distância em milissegundos de forma a antecipar a localização em que ela estará. Se você não conseguir capturá-la da primeira vez, precisará somente de mais algumas tentativas para que seu cérebro aperfeiçoe seus algoritmos e melhore sua capacidade preditiva.

Os erros de cálculo (realidade x predição), quando ocorrem, além de servirem para aperfeiçoar o sistema, permitem que nos conscientizamos dos processos. Quando como incorporamos determinadas atividades a fazemos de um modo automático e inconsciente, por exemplo, dirigir para o trabalho pelo mesmo caminho de sempre, nem percebemos as curvas e mudanças de marcha. Somente percebemos e tomamos consciência, quando algo fora do padrão ocorre (um acidente ou um desvio).

Esta aprendizagem contínua e inconsciente pode ser observada também nas diferenças entre nossa memória explícita (consciente) e a memória implícita (inconsciente), como vemos no capitulo três. Nós temos muito mais conhecimento acumulado do que pensamos de forma consciente. Toda e qualquer interação nossa com o mundo que nos rodeia gera aprendizagens, fluxo de dados, para nosso cérebro. Mas, só conseguimos processar conscientemente uma parte ínfima destes dados. O resto fica armazenado, você querendo ou não. Isso, sem dúvidas, deveria motivar-nos a buscar o máximo possível de novas interações: pessoas, lugares, comidas, ideias, etc. Mas, este processo traz consigo algumas armadilhas, que temos que estar atentos. Por exemplo, o efeito exposição ou efeito ilusão da verdade, tão utilizados pelos especialistas de marketing, fanáticos políticos e religiosos. É mais provável que prefiramos um produto que vemos exposto de forma repetitiva. E é mais provável que acreditemos em uma afirmação caso já a tenhamos escutado antes, seja ela verdadeira ou não (fake News e equivalentes). A memória implícita também ajuda a direcionar nossos pressentimentos e intuições, itens muito importantes na tomada de decisão, como vimos nos fatores de ajuste da sorte, de Max Gunther e outros autores.

Outra característica de nosso cérebro é que ele busca sempre a eficiência energética. Isso significa que ele sempre tratará de automatizar a maior quantidade de tarefas possíveis. Depois que aprende uma tarefa (e ele é flexível para aprender quase qualquer coisa, desde a jogar tênis até construir foguetes), ele vai buscar formas de executá-la de forma mais rápida e eficiente possível, integrando-as ao circuito.

O desafio é fazer com que nossa parte consciente do cérebro defina e direcione quais serão as tarefas a serem aprendidas e depois, gerar o contexto adequado para que nossa parte inconsciente as automatize e as execute da forma mais eficiente possível. Isso é o que fazem um tenista ganhador de Wimbledon ou um jogador de xadrez, como Kasparov. Depois de definirem as metas e proporcionarem os recursos necessários para determinadas tarefas, atuam com a menor interferência possível de sua mente consciente na hora de executá-las. Estão em estado de flow, como nos mostrou Goleman. A estas tarefas automatizadas, que ocorrem sem interferência da consciência, o autor denominou sistemas zumbis.

Voltando a questão dos fluxos de dados e interações com o ambiente, o autor acrescenta dois conceitos interessante da biologia: Unmwelt (nosso entorno, o mundo que nos rodeia) e Umgebung (uma realidade mais vasta, não conhecida). A quantidade e o tipo de sinais que captamos de nosso entorno está limitado por nossa biologia. Nossos cérebros não estão configurados para captar as ondas de rádio, mudanças mínimas de temperatura ou determinadas variações de cheiro das coisas. Nossos sensores são próprios de nossa espécie, portanto nossa leitura do ambiente também. Além de sensores, temos programas cognitivos integrados, herdados, que são parte de nosso DNA. Eles governam nossos instintos e governam parte de nossas respostas e decisões inconscientes. Diferentemente da intuição e pressentimentos, que podem ser aprendidos, os instintos já vêm de fábrica.

Além disso, como vimos nosso cérebro constrói e interpreta suas próprias realidades. O que significa que ele trabalha com base em um entorno conhecido. Nosso unmwelt limita nossos pensamentos. Se queremos ampliar nossas capacidades, devemos buscar conhecer outros ambientes, agregar mais reportório, novas referências, explorar o umgebung.

O quinto capitulo resume o conceito de equipes de rivais, desenvolvido pelo autor. Recorre ao poeta americano Walt Whitman para ilustrar a questão de que o cérebro está em constante conflito e isso é fundamental para sua performance e para a qualidade de suas decisões.

“Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo. Eu contenho multidões” Walt Whitman.

A maneira simplificada de entender estes conflitos é a dicotomia razão x emoção, que vimos nas obras de Goleman ou mesmo nos modelos de tomada de decisão de Ray Dalio. A realidade é ainda um pouco mais complexa, pois temos centenas de sistemas zumbis operando de forma simultânea, o cérebro possui múltiplos canais de entrada das informações (nossos 5 sentidos, só para começar), as interpreta de forma circular em base a dados conhecidos (memórias implícita, explícita e instintos), fazendo predições da realidade e armazenando informações, conforme a necessidade. Com toda esta maquinaria, é natural e esperado que o cérebro entre em conflito para tomar uma decisão na maior parte das vezes, já que ele desenvolve múltiplas e redundantes maneiras de resolver os problemas. Isso é positivo, porque podemos contar com reservas cognitivas, que podem ser utilizadas quando algum outro caminho não funciona (de fato, existem pessoas em que se identificaram lesões cerebrais similares ao Alzheimer, mas que nunca desenvolveram os sintomas da doença).

Eagleman sugere que esta habilidade de “não somente resolver os problemas de maneira inteligente, mas reinventar sub-agentes de maneira incessante para que se sobreponham e logo se enfrentem” seria o passo necessário para a evolução dos estudos relacionados à Inteligência Artificial.

Outro conceito interessante que surge é o de “contrato Ulisses”. Baseado na passagem da Ilíada, em que o personagem principal da obra de Homero tem que elaborar uma estratégia para conseguir navegar pela ilha de sereias e resistir aos seus encantos. Implica uma negociação entre um “eu presente” e um “eu futuro”. Vivemos constantemente este desafio de, por exemplo, adiar uma recompensa imediata para benefício nosso em um momento futuro (as dietas são o exemplo mais comum, mas existem muitos outros, por exemplo relacionados a nossa vida financeira). As pessoas virtuosas seriam aquelas que conseguem resistir às tentações a que todos nos deparamos (“sexo, drogas e rock n roll” para ficar nas mais clássicas).

Então, como fazer para organizar e ordenar todo este mundo de respostas possíveis? Novamente, entra nossa consciência para “dar sentido à democracia de nossos circuitos”. Através do relato e das histórias, nosso cérebro organiza e dá sentido a todos estes dados aleatórios. Nossa consciência “existe para controlar os sistemas alheios automatizados e para distribuir o controle sobre eles”.

O caminho para tomar o controle consciente do cérebro é detalhado no capitulo 6, em o que o autor chama de “exercício pré-frontal”. Parte das respostas também já vimos por aqui e passam obrigatoriamente por um exercício honesto e atento de autoconhecimento. Refletir antes de agir. Controlar os circuitos preocupados com o longo prazo. Inibir a impulsividade.

O livro termina com reflexões interessantes a respeito do mito da igualdade humana. Claramente não somos todos igualmente capazes de tomar decisões, controlar nossos impulsos e compreender as consequências de nossos atos. Nossos cérebros, que executam todas estas tarefas, são moldados de forma totalmente individuais e variam de acordo a nossa genética, história pessoal e interações com o ambiente. Ele imagina um futuro onde poderemos medir e modelar a plasticidade cerebral das pessoas, sua capacidade de mudar seus circuitos cerebrais e, consequentemente, seu comportamento. E sabe, por lesões ou alguma má configuração ou uso inadequado do equipamento, nem todos têm esta capacidade.

Finalmente, reconhece que as soluções para estas questões não são simples de resolver. Somos um sistema sócio-biologico que está em constante mutação. E todas as interações genéticas e de ambiente a que estamos sujeitos são impossíveis de entender e controlar. “Se nosso cérebro fosse simples o bastante para que o entendêssemos, não seriamos suficientemente inteligentes para compreendê-lo”.

Mas, como se aplicam todos estes conceitos a minha pesquisa? Será que a atividade empreendedora pode ser incorporada como um sistema zumbi, como havia sugerido Gartner? Os empreendedores-seriais, que abrem e vendem várias empresas em sequência, conseguem fazer isso? Será que qualquer pessoa tem a plasticidade cerebral suficiente para aprender a empreender? Sigo investigando…

Extratos:

“Portanto, resulta surpreendente que a voz seja algo físico. Se construo uma pequena máquina o suficientemente sensível para detectar diminutas compressões das moléculas de ar, poderia captar estas mudanças de densidade e posteriormente reproduzi-las. A estas maquinas denominamos microfones. ”

“O estado da matéria física determina o estado dos pensamentos”

“…se as escolhas e decisões derivam de processos mentais ocultos, então o livre arbítrio é uma ilusão, ou está, no mínimo, muito mais restrito do que se considerava anteriormente”.

“… um terço do cérebro humano se dedica a visão”. “Toda visão é uma ilusão”.

“Aqui está uma assombrosa consequência da plasticidade do cérebro: no futuro pode ser que sejamos capazes de introduzir outro tipo de dados diretamente no cérebro, tais como visão infravermelha ou ultravioleta, ou inclusive dados climatológicos ou da bolsa de valores. A princípio, o cérebro não assimilará os dados de forma tão fácil, mas finalmente aprenderá a linguagem. Seremos capazes de agregar uma nova funcionalidade e desenvolver um cérebro 2.0”.

“… os humanos se diferenciam pelo fato de que são inteligentes de uma forma flexível, de que modelam seus circuitos nervosos para que se ajustem às tarefas que têm que executar”.

“Em três coisas se revela um homem: na sua taça de vinho, na sua bolsa e na sua cólera”. De um talmude babilônico

“Existe uma conversação permanente entre as diferentes facções do seu cérebro, e cada uma delas compete para controlar o único canal de saída disponível, que é o seu comportamento”.

“As religiões do mundo estão otimizadas para conectar-se com as redes emocionais, e os grandes argumentos da razão significam pouco contra uma atração tão poderosa. ”

“Existe tanta diferença entre nós e nós mesmos, como entre nós e os demais” Michel de Montaigne.

“Portanto, apesar de nossas esperanças e intuições a respeito do livre arbítrio, na atualidade não existe nenhum argumento que demonstre sua existência de maneira convincente”.

“O estudo do cérebro e do comportamento se encontra na metade de uma mudança conceitual” Referindo-se a questão da culpabilidade apurada em muitas cortes de justiça.

“Com qualquer indicador que utilizemos para medir os seres humanos, descobriremos uma ampla distribuição já seja em empatia, inteligência, habilidade em natação, agressividade e talento nato para o violoncelo ou para o xadrez. As pessoas não nascem iguais”.

“As pessoas não chegam ao mundo com as mesmas capacidades. A genética e a história pessoal moldam o cérebro com resultados muito diferentes”.

“As sociedades do futuro poderiam criar uma maneira experimental um índice para medir a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade para modificar o circuito cerebral”.

“Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia” Arthur C. Clarke.

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