Podcast: Brazil at Silicon Valley
De 19/01 a 19/02/2020
Roberto Sallouti, CEO BTG Pactual
Stelleo Tolda, COO Mercado Livre
Os podcasts eram uma febre naqueles tempos quase longínquos de deslocamentos da casa para o trabalho. Nesta nova vida de quarentena ainda não arrumei um horário na agenda para eles. Mas, já vou encontrar, porque eles trazem conteúdo muito interessante, com uma forma fácil de consumir. Eu tinha uma rotina semanal já com os podcasts certos para cada dia da semana. Às quartas feiras eu escutava este do Brazil at Silicon Valley. Organizado por estudantes e ex-alunos de Stanford, ele traz uma série de entrevistas com investidores e empreendedores do ecossistema do Vale do Silício. Foi lançado em janeiro deste ano, como um desdobramento da excelente conferência de mesmo nome realizada no final do ano passado. Tem como objetivo expandir a cultura do Vale para o Brasil.
Alguns dos empreendedores que passaram por aqui também são, por exemplo, “filhos” de Stanford, o nascedouro do Vale do Silício: Phil Knight, Marcos Galperin, Kevin Sistron e Mike Krieger. Ela é considerada a melhor escola de empreendedorismo do mundo.
Os quatro primeiros episódios são quatro golaços – Roberto Sallouti, CEO do BTG Pactual; Stelleo Tolda, co-fundador e COO do Mercado Livre; David Velez, co-fundador e CEO do Nubank e Hans Turg, Managing Partner da GGV Capital, todos importantes players no mundo das fintechs brasileiras e latino americanas. Todos com passagens por universidades americanas. Três deles representam empresas que têm como meta transformar o mundo financeiro no Brasil. Resumo abaixo os principais insights que trouxe das entrevistas para minha investigação:
- Gênesis
O espirito empreendedor surge mais frequentemente na época de formação do caráter. Vem quase sempre dos exemplos que uma pessoa tem em casa, do seu entorno. Imigrantes, empreendedores, comerciantes e homens de negócio. Sallouti, Toulda e Velez vêm de famílias estruturadas, com vivência no exterior e uma visão internacional. Deram oportunidades aos filhos. Estudaram em escolas americanas (com direito a College Counselor e tudo), fizeram faculdade por lá e depois MBA. Velez nasceu em uma família numerosa, onde todos eram empreendedores. Seu pai tinha uma fábrica de botões na Costa Rica e também conseguiu ir estudar nos Estados Unidos. Os três têm um perfil de gênesis empreendedora que eu chamo de “Oportunidade”. Todos os empreendedores de Stanford citados dois parágrafos acima e ainda Jeff Bezos, Bill Gates, Elizabeth Holmes e Abílio Diniz fazem parte desta lista.
Esses empreendedores foram estimulados e treinados para exercer esta atividade e isso deu a eles a habilidade de identificar oportunidades não preenchidas no mercado. De alguma forma, suas mentes estavam pré-configuradas para empreender e começar uma empresa para eles era um caminho natural.
- Ecossistema – Stanford
A sociedade americana conseguiu fazer algo muito importante e relevante para um ecossistema empreendedor – aproximou universidades do ambiente de empresas, da inovação. Stanford é um excelente exemplo disso. As ideias iniciais de construção do Vale vieram de um professor de Stanford, que conseguiu convencer dois estudantes e empresários a formarem a HP em um pátio com galpões perto da universidade (história muito parecida com a do Blackberry canadense). Depois veio o chip de silício e empresas como Apple, Google, Tesla, Yahoo e a uma lista que inclui dezenas das 500 maiores empresas dos Estados Unidos1. A universidade e o seu entorno abastecem o mercado de inovação e tecnologia com talentos (empreendedores, engenheiros e programadores) que atuam para resolver os problemas da sociedade. Este conceito, aparentemente simples, deveria ser seguido por qualquer nação ou região que queira competir no mundo empresarial do século XXI. Mas, replicar o Vale pela sua relevância e escala, apesar de conceitualmente simples, é mais complicado na pratica do que parece.
Da mesma forma, que atuar em mercados com regras de jogo claras, abertas, que incentivem a competição, com mecanismos simples, pouco burocráticos e baratos para a constituição e a gestão de empresas, claramente, incentivam o surgimento e a sobrevivência de empresas. Os organizadores do podcast colocaram muito bem a pergunta sobre o papel do governo durantes os episódios e os empreendedores dão vários destes exemplos durante as conversas. Hans Tung, sete vezes o melhor investidor em tecnologia do mundo, dá exemplos da China, que investiu pesado em infraestrutura e educação para construir um ecossistema empreendedor que lidera frentes importantes de inovação no mundo. Com a base montada e garantida pelo governo, em menos de duas décadas as empresas de tecnologia da China passaram a fase de aprendizado e de copycat, para uma fase de liderança em inovação, sobretudo em internet e mobilidade. Segundo Turg, o Brasil estaria entrando agora na fase de catch-up e em algum momento deveríamos ver inovação de verdade na resolução dos grandes problemas brasileiros. Eu, pessoalmente, apesar de otimista, sinto que ainda falta a base que a China já tinha construído para conseguirmos passar de fase.
Um ecossistema empreendedor não nasce do nada. Surge como um processo, que precisa ser estimulado e nutrido. E governos e universidades têm um papel importante nele.
- Oportunidades – estratégias de inovação + timing + leitura de mercado
Seu ambiente familiar e depois onde você se desenvolve na vida adulta te deixam treinado e programado para ler o mercado e encontrar brechas nele. Te deixam com boas ferramentas para exercer uma das atividades presentes na trajetória empreendedora: identificar oportunidades. Uma “Eye-Opening Experience”, como disse o Hans Tung. Mas, somente isso, não basta. A trajetória do empreendedor (ou do time empreendedor) é longa e tem várias etapas que vão além identificar oportunidades.
O Mercado Livre foi evoluindo sua estratégia ao longo de sua trajetória. Começaram com um modelo de copycat do Ebay no mercado Latino Americano. Mas, perceberam que ele não resolvia 100% o problema dos compradores e vendedores, que queriam entrar no e-commerce, mas não tinham todas as soluções que necessitavam para realizar seus pagamentos. Este caminho exige experimentação. Tentar, errar e começar de novo. Implica acessar recursos e conquistar a confiança de uma série de interlocutores ao longo do caminho: investidores, acionistas, funcionários, fornecedores e, finalmente, clientes. Exige um talento para “entender as necessidades dos consumidores”, como disse Tolda, para quem a “execução faz toda a diferença”.
Às vezes, os gatilhos de oportunidade dependem de timing de mercado. Uma trajetória como a do Mercado Livre só é possível porque as redes de comunicação se abriram e temos internet com boa velocidade. Da mesma forma que o banco 100% digital e virtual como o Nubank só passou a ser possível após 2012, com um serviço de hospedagem na nuvem que montou a Amazon. O Nubank aproveitou uma janela de oportunidade proporcionada pela tecnologia e com ela promete “tratar os consumidores bancários, simplesmente como seres humanos” e, pelo menos, comer uma fatia do concentrado mercado bancário brasileiro. Quem nunca viu histórias de empreendedores que estavam a frente de seu tempo e o mercado ainda não estava preparado para suas ideias.
- Talento
Mesmo com toda base proporcionada pelo governo chines, uma empresa como a Alibaba não seria a mesma sem o talento empreendedor de Jack Ma, por exemplo.
Todos foram unânimes em relação a importância de talentos para o desenvolvimento de empresas de tecnologia. Este está, na visão dos quatro, entre os principais gaps para o mercado brasileiro. Tem a ver com os STEM (formamos em 2020 a mesma quantidade de engenheiros que em 1990), os Tech Talents, mas também com mais experiência e bagagem dos fundadores. Mais tentativas nos currículos.
Recomendo os áudios para quem tem interesse em entender um pouco mais das estratégias das empresas e para uma visão adicional a cultura do Vale do Silício e como, pouco a pouco, ela vai se inserindo na economia brasileira.
Alguns pontos de vista interessantes que sempre levam a reflexão (tradução livre):
“Empreender é um jogo de probabilidades contra o fracasso. 80% não vão conseguir. Neste contexto, não é somente hard-core analítico, tem a ver com intuição e acreditar no futuro. Com valores, forte honestidade intelectual, tomar decisões com as informações disponíveis, sem deixar que as emoções interfiram nelas, aprendendo com as falhas e tomando melhores decisões a partir delas. No fim do dia, empreender não deixa de ser treinamento e repetição, portanto, a forma como a pessoa leva a vida, será a forma como leva a sua empresa ” Hans Tung, sócio da GGV Capital, que foi sete vezes escolhido como o melhor investidor em tecnologia do mundo e tem no seu portfolio 16 unicórnios, entre eles Alibaba e Airbnb.
“Empreender é muito mais do que fazer dinheiro. É sobre fazer diferença! ” Hans Tung
“Empreender é uma maratona, não um Sprint. Ter perspectiva de longo prazo é importante e manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, fundamentais nesta jornada” David Velez, CEO do Nubank.
“No futuro, qualquer indústria ou empresa será uma empresa de tecnologia. Os líderes em cada vertical serão empresas de tecnologia. O Brasil tem que desenvolver a indústria de tecnologia se quiser competir neste novo mundo” David Velez, CEO do Nubank.
“Não somos um banco, somos uma empresa de tecnologia” David Velez, CEO do Nubank.
“Nossa geração só queria emprego, agora todo mundo quer empreender” Roberto Sallouti, CEO do BTG Pactual.

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