“Quem é o empreendedor? ” Esta é a pergunta errada.

“Quem é o empreendedor? ” Esta é a pergunta errada.

William B. Gartner

https://www.academia.edu/7270133/Who_Is_an_Entrepreneur_Is_the_Wrong_Question

Tenho mergulhado em muito material a respeito do perfil psicológico, cognitivo e comportamental dos empreendedores. Um dos artigos mais citados e respeitados na imensidão de trabalhos acadêmicos produzidos a respeito do assunto, é o de William B. Gartner, professor de empreendedorismo da Universidade de Washington e do Babson College, nos EUA.

Neste paper de 1989, publicado pela Universidade de Baltimore na sua revista ET&P (Entrepreneurship Theory and Practice), Gartner faz duras críticas às pesquisas que tentam definir traços psicológicos para os empreendedores. Segundo o autor, o empreendedorismo é uma profissão, como a de jogadores de beisebol ou de um dançarino. E, portanto, envolvem atividades e habilidades específicas que precisam ser aprendidas, praticadas e treinadas para o exercício das mesmas.

Ele critica, sobretudo, aqueles autores que definem um padrão único de personalidade para os empreendedores, como um estado fixo de existência. Seu paper traz uma tabela com uma lista de trabalhos nessa linha. A quantidade de descrições, quando existem, são vastas e inconsistentes. As amostras são frequentemente heterogêneas e não diferem muito da população em geral, o que quita muita precisão dos trabalhos. Realmente, muitos dos trabalhos analisados parecem carecer de qualidade.

Em sua abordagem comportamental (behavioural approach), Gartner define o empreendedor como um agente econômico que apresenta certos comportamentos utilizados na criação de novas organizações. Assim como um dançarino, dança; um empreendedor, cria novas organizações. Então o foco passa para o processo de criação destas novas organizações, e se pergunta, que habilidades específicas as pessoas precisam desenvolver?

Por exemplo, um conjunto de habilidades para a resolução de problemas (que é para isso que as empresas ou organizações existem, segundo ele): como identificar, avaliar e priorizar problemas. Outra, seria o processo de formação de times, que irão atuar para resolver os problemas. Ou ainda, habilidades para prover os requisitos necessários para esta nova organização: financeiro, jurídico, regulatório, marketing, etc. Cada etapa do processo de constituição de uma empresa dependeria de um conjunto de habilidades para executá-las.

Sugere um estudo similar ao feito por Mintzberg (1976)que elaborou um modelo de tarefas para o exercício de atividades gerenciais. Portanto, não deveríamos perguntar “O que é um empreendedor? ”, mas sim “O que faz um empreendedor? ”.

Difícil não concordar com Gartner. Uma pessoa não nasce empreendedora. Ela se torna empreendedora, ao longo de sua trajetória. Os empreendedores surgem de um processo de interação constante com seu ambiente, que envolve boas doses de capital humano, fatores culturais, além de uma performance ativa (ação e execução para resolver problemas), conforme vimos no artigo de Kerr et ale em diversas outras passagens do blog.

Isso não significa que deveríamos descartar de imediato qualquer análise de traços de personalidade ou perfil psicológico dos empreendedores, como sugere Gartner. Ao contrário, na minha opinião, deveríamos nos aprofundar nessas análises, tomando os devidos cuidados de maior precisão científica nas mesmas (definição dos construtos, seleção das amostras e outras melhorias metodológicas).

Nos últimos 30 anos, desde a publicação do artigo de Gartner, vimos uma grande evolução em áreas como economia comportamental e ciências cognitivas, de modo que, antes de mudar os comportamentos, é importante entender porque os indivíduos se comportam de determinada maneira. No fim do dia, nós somos o que fazemos.

Neste sentido, entender o perfil psicológico e cognitivo dos empreendedores é um dos elementos fundamentais para o entendimento do processo de empreendedorismo. Por exemplo, deve haver uma configuração cognitivo-psicológica que facilita o processo de abertura e criação de novas organizações (e empreendimentos). Deve haver uma configuração que proporciona maior aptidão ou potencial para desenvolver determinadas atividades: “aquele tem jeito pra coisa”. Assim como a concepção física deveria ajudar a um jogador de beisebol ou um dançarino, ter menor aversão a risco, maior inteligência emocional ou maior perseverança, por exemplo, deveriam ajudar um empreendedor em sua trajetória.

Se a pessoa que se aventura nesta atividade conta com uma personalidade alinhada aos desafios que ela traz, deveria aumentar a probabilidade de sucesso na empreitada. Por último, entender os perfis cognitivos-psicológicos dos empreendedores poderia dar pistas dos tipos de estratégias que os mesmos acabam utilizando ao longo de sua jornada. Assim como temos diferentes tipos de líderes, temos diferentes tipos de empreendedores, como temos visto por aqui.

O desafio vai ser juntar as duas abordagens. Seguimos investigando.

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