O Poder do Encantamento

O Poder do Encantamento

José Galló

Imagine-se nascendo em uma cidade com o mesmo nome que sua família. No meu caso, seria alguma coisa como Lanzópolis ou Landuccinópolis. Algo deveria acontecer com sua autoestima, sua visão de mundo e na forma como você encara a vida. Para o bem ou para o mal. No caso de José Galló, que nasceu em Galópolis, nome dado a cidade no Sul do país em homenagem a seu avô, imigrante italiano da região do Piemonte e empreendedor do setor têxtil, deve ter sido para o bem.

Galló é o executivo responsável por transformar uma pequena rede de 8 lojas, no Rio Grande do Sul, em uma das maiores empresas de varejo do Brasil, as Lojas Renner. Ele é reconhecido como um dos principais especialistas em varejo no país. Foi o responsável pelo surgimento da primeira empresa corporativa do Brasil (controlada por investidores, gerida por executivos, sem uma família controladora).

“Desde pequeno, minha mãe me incutiu a ideia de que eu precisava estar atento à família, dar continuidade àquilo que haviam feito os que nos antecederam, ter espirito empreendedor”

Esta visão de vida transformou o pequeno José em um garoto precoce e engajado, que desde cedo começou a refletir sobre o que gostava de fazer e o que queria ser na vida. Sua história se destaca sobretudo pela trajetória. É um ótimo contraponto às histórias dos empreendedores relâmpagos, os novos “gênios” do nosso tempo, que montam (e vendem) empresas bilionárias da noite para o dia.

Com 12 anos, estudou e se preparou para ser presidente do grêmio estudantil da escola. Em pouco tempo, já fazia parte da União Gaúcha dos Estudantes e da Juventude Estudantil Católica. Com 15 anos já era linha de frente do movimento Up With People, que promovia festivais de músicas pelo Brasil.

Galló já era dono de sua própria vida. Sua reflexão o levou a São Paulo, para o cursinho Anglo, com o objetivo de fazer engenharia química na Poli, a melhor do país. Durante o ano de preparação, se apaixonou por Marketing, acabou mudando de ideia e foi fazer Administração de Empresas, na FGV, que tinha muito foco em matemática. A junção de finanças e marketing foi um diferencial potente para o jovem executivo naquele começo dos anos 80.

Já casado e formado, voltou para o Sul e abriu uma empresa que fabricava peças de plásticos e embalagens para indústrias. Quase ao mesmo tempo, foi convidado para montar o Planejamento Estratégico para o Grupo Maisonnave, que dentre várias empresas, era dona de uma loja de departamento de móveis e eletrodomésticos chamada Imcosul, foco da análise. Foi convidado para ajudar na execução do plano que ele mesmo tinha montado. Vendeu a participação na startup e topou o desafio.

Na Imcosul começou a moldar-se como um líder diferenciado. Com carta branca para trabalhar, colocou a casa em ordem e transformou a empresa em uma das principais cadeias do varejo gaúcho. A excelente formação, uma visão diferenciada e, principalmente, a capacidade de trabalhar em equipe, foram fatores diferenciais para esta etapa de mais de dez anos. Tudo ia bem, com expansão da rede, o lançamento de novas empresas para atacar outros segmentos, quando de forma totalmente inesperada, por problemas no banco do grupo, e por uma tentativa dos acionistas de preservar o único ativo saudável da holding, a Imcosul entrou em Recuperação Judicial. O caixa da empresa estava todo depositado no banco Maisonave e ficou sem nenhum capital de giro para pagar funcionários e fornecedores. Começou uma longa jornada de motivação dos 3 mil colaboradores – que se encontravam na iminência de ficar sem salários e sem empregos – e negociação com os fornecedores. Uma situação em que a maior parte das pessoas espana e a empresa quebra. Galló, então com 34 anos, tinha um baita desafio pela frente. Com uma estratégia super transparente de comunicação com os principais stakeholders, conseguiu contornar a situação a recolocar a empresa nos trilhos. “O Galló teve sensatez, maturidade, humildade intelectual e capacidade de coordenar pessoas e tirar delas o seu melhor naquela situação”, de um diretor de credito da Imcosul.

“São fundamentais a transparência e a clareza para com a equipe. Diante de uma dificuldade ou desafio, é muito provável que todos estejam dispostos a ajudar: faça com que conheçam o problema, construa a solução em conjunto e deixe claro o papel de cada um. Atingido o objetivo, resolvido o problema, celebre muito”.

Engraçado que depois de tudo isso, o que o executivo Galló recebeu em troca, foi um downgrade. Um dos acionistas assumiu como CEO e rebaixou-o do cargo. Galló não aceitou a afronta e pediu para sair. No acordo de saída, levou consigo a empresa ModaCasa, startup que ele mesmo havia criado um pouco antes da concordata.  Ficou uns cinco anos na vida de empreendedor, até que recebeu um convite para uma consultoria às Lojas Renner. Ele tinha 40 anos.

Nesta época, a Renner tinha 8 lojas e um faturamento de alguns milhares de dólares. Era uma média empresa de capital aberto. Galló esteve à frente do negócio por 25 anos, vivendo ciclos de 7 anos, e transformou a Renner em uma empresa de bilhões de dólares e mais de mil lojas espalhadas pelo Brasil e América Latina. Como ele fez isso? O livro tem todos os detalhes. De maneira bem resumida, destaco quatro aspectos importantes:

  • Foco no Cliente: logo na largada redefiniu o publico-alvo da empresa, que deixou de se concentrar no homem e passou a focar na mulher, que determinava mais de 80% das decisões de compras das famílias. Seu programa de Encantamento de clientes é uma referência no mercado brasileiro.
  • Comunicação: assim como vimos na trajetória da Chilli Beans, a construção da marca foi fundamental na estratégia da Renner. Lançou campanhas que colocavam a Renner como cúmplice das mulheres na sua jornada e que geravam grande envolvimento emocional. Era uma comunicação para fora, mas também para dentro. A transparência em comunicar a estratégia da empresa e os seus desafios e envolver os colaboradores no processo foi elemento fundamental no êxito da empresa.
  • Inovação: Galló é um executivo atento às tendências e as mudanças que estão ocorrendo no mundo. Inovou em vários aspectos da empresa, mas sobretudo na distribuição das peças no ponto de venda, separando-as por life style e levando combinações de peças como sugestões as clientes que demandavam cada vez mais agilidade no atendimento.
  • Paixão: Galló sempre foi um apaixonado pelo varejo. Leitor voraz e observador atento, estudava mercados, os movimentos dos competidores, o comportamento dos consumidores. Vivia a companhia e o seu setor 24 horas por dia.

Considerado o melhor executivo do varejo brasileiro, José Galló é um líder nível V, segundo a classificação do best seller de negócios, Jim Collins (de “Empresas feitas para vencer”). Demonstrou em sua trajetória uma alta capacidade, boas doses de empatia e facilidade para trabalhar em equipe, muitas habilidades de gestão, efetividade e humildade. Uma combinação de vontade profissional e humildade pessoal que transforma os caminhos por onde passa e deixa um legado.

No meio desse ano de 2019, Galló anunciou a sua saída da cadeira de CEO da Renner. Irá se dedicar a suas participações nos conselhos de empresas como a própria Renner, a Localiza, o Itaú Unibanco e a Ultrapar. Além disso, montou um Family office com seu filho e irá começar a investir em startups. É sempre bom que esteja por perto.

Algumas passagens interessantes que podem servir de gancho para aprofundamentos posteriores:

“A FGV também foi muito interessante pelo convívio com pessoas de alto nível. Meus colegas eram filhos de banqueiros, de donos de grandes construtoras, diretores, fazendeiros, pessoas com as quais havia trocas interessantes e que, apesar da classe social, eram acessíveis e dedicadas, de uma simplicidade que contrastava com sua condição financeira” em depoimento sobre a época da faculdade, reflexo da importância do ambiente e de uma rede para o desenvolvimento profissional e, ao mesmo tempo, um sinal de como as desigualdades vão se consolidando no Brasil – o acesso a bons cursos universitários são restritos, em sua grande maioria, a famílias abastadas.

“Porque política, em síntese, é liderar e conseguir que um grupo de pessoas decida, por vontade própria, aderir a uma ideia e realizá-la”, refletindo sobre as relações nas empresas.

“Ao lado de uma boa formação teórica, o desenvolvimento da sensibilidade para o negócio é essencial. Conhecimento é importante, mas ainda mais relevantes são a capacidade e a humildade de aprender sempre. Cada experiência vivida acrescenta algo no processo de aprendizagem ao longo de toda uma vida”

“As faculdades, em geral, fazem muito pouco no que diz respeito a complementar a formação teórica, abordando superficialmente tópicos fundamentais como a venda de ideias, a determinação para superar obstáculos, a necessidade de cultivar a resiliência; técnicas para implementar projetos alcançando a participação das pessoas” em mais uma reflexão que resume bem habilidades empreendedoras fundamentais que não se aprende na escola.

“A orientação é que sempre nos coloquemos no lugar do cliente, fazendo por ele aquilo que gostaríamos que fizessem para nós em uma situação idêntica” Sobre a prática de encantamento de clientes, tão simples e tão óbvio, mas difícil de se implementar de forma massiva.

“He is the Rolls Royce of the retail business” de Allen Questrom, CEO da JC Pnney, chefe da Galló na época da joint venture da Renner com a empresa americana.

Abaixo um comercial da Renner quando adquiriu algumas lojas da antiga Mesbla e chegou ao Rio de Janeiro:

jose_gallo

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