Blackberry Town
Chuck Howitt
De uma universidade inovadora nasceu uma empresa também inovadora que gerou um ecossistema empreendedor focado em tecnologia e ciência.
O ambiente empreendedor do “Vale do Silício do Canada” é exemplificado de forma interessante no livro do jornalista canadense Chuck Howitt.
A UW, Universidade de Waterloo, de cidade de mesmo nome localizada próxima a Toronto, lado leste do Canadá, foi fundada em 1957, com um foco em ciência, engenharia e física. Desde o princípio, entendeu a potência de juntar ciências e negócios e estabeleceu as coparticipações empresas-universidades como chave estratégica de seu negócio. Nasceu financiada pelo governo canadense, com verbas estaduais e federais, apoiando ideias de homens de negócio bons e bem-intencionados. Inovou no início e durante seu desenvolvimento. Primeiro, adquirindo os computadores mais modernos do mundo e instalando-os na icônica Red Room, que permitia aos alunos e professores terem contato com o que havia de melhor na nascente tecnologia computacional. Depois, permitindo que as inovações que saiam de suas salas fossem patenteadas em nome dos investigadores, o que fez com que surgissem dezenas de startups de tecnologia no entorno da universidade.
Esse dinamismo e foco tecnológico atraía muitos talentos de todos os lugares do Canadá e do mundo. Entre estes garotos-prodígio estava o futuro empreendedor Mike Lazaridis, filho de imigrantes, turco-canadense, que era apaixonado por ciência e novas tecnologias. Com 23 anos, um ano antes de se formar, em 1983, fundou a RIM – Research in Motion, que mais tarde mudaria de nome para Blackberry, por causa do produto de maior sucesso lançado pela companhia em 1999. A RIM começou como uma empresa de tecnologia, desenvolvendo letreiros luminosos e legendas para o mercado de cinema, dando soluções de automatização para linhas de montagem.
Em 1996 a empresa incorporou como co-CEO a Jim Balsillie, executivo de um dos primeiros clientes da RIM e que impressionou Mike com sua visão comercial e capacidade de gestão. Com a dupla, a empresa cresceu de forma exponencial.
Dentre os projetos da RIM, trabalharam em soluções de rádios para a Ericsson. Era o insight necessário para Mike elaborar a ideia de um email móvel, que poderia ser acessado de forma segura de qualquer lugar. De um pager, surgiu o primeiro Blackberry, que praticamente inaugurou a era dos smartphones modernos. O aparelho foi o primeiro a explorar o potencial das redes wireless e pioneiro em levar os e-mails de forma segura para os telefones celulares. Após fazer o IPO na bolsa de Toronto, a empresa foi uma das primeiras empresas canadenses em abrir o capital nos EUA. Os fundadores e a maior parte de seus empregados ficaram milionários da noite para o dia e este boom financeiro desenvolveu todo o entorno das cidades de Waterloo e Kitchener. O sucesso serviu como um imã para atrair mais empresas e mais talentos para o ecossistema.
O Blackberry, que sempre focou sua estratégia em prosumers, ou consumidores com propósitos profissionais, dominou o mercado de smartphones até a chegada do Iphone, em 2007. Em um mercado em que as disrupções e inovações avançam de forma exponencial, os líderes da RIM não tiveram a visão estratégica suficiente para perceber as mudanças que ocorriam no mundo e a empresa foi praticamente varrida do mercado.
O Iphone da Apple reinventou o mercado com foco total no mercado massivo, uma tela touchscreem e proporcionando uma excelente experiência para os usuários, que incluía uma infinidade de novos aplicativos com funções variadas e excelente visual para navegação na internet. O Blackberry tinha um sistema operacional que não estava preparado para ser um computador em miniatura. Seu sistema não era escalável e flexível como eram os nascentes iOS, da Appple e o Android, da Google. A empresa demorou quatro anos para lançar um produto capaz de competidor com os novos aparelhos. Era tarde demais.
Hoje a Blackberry subsiste como o melhor fornecedor de soluções de email corporativo para smartphones, justamente a inovação que colocou o nome da empresa nos anais da indústria moderna. Depois de contratar John Chen, um especialista em reestruturações estratégicas de empresas de tecnologia, a empresa deixou a fabricação de telefones de lado e se reestruturou em uma empresa de softwares e serviços, oferecendo soluções em segurança da informação, auto conectividade e IoT (Internet of Things). Mike e Jim deixaram a empresa em 2012. Mas seus nomes e o legado da empresa persistem na região de Waterllo, um dos polos de computação mais modernos do mundo na atualidade.
Mike Lazaridis tem colocado muito esforço e parte importante de sua fortuna (aproximadamente USD 1,5 bilhões) em iniciativas que tem como objetivo retribuir a sociedade o que conseguiu com a RIM. Tem uma visão de que a ciência é a melhor forma de expandir a riqueza de indivíduos e dos países. Ainda em 2000, no auge do Blacberry, ajudou a fundar um Instituto de Física em parceria com a UW, chamado Perimeter. Após deixar a empresa tem se dedicado à sua nova paixão: a física quântica. Doou recursos para a formação do Institute for Quantum Computing e com o co-fundador da RIM, Doug Fregin, lançou a empresa de Venture Capital Quantum Valley Investments e o Lazaridis Institute for Management of Technology Entreprises. Acredita que estamos “à beira da segunda revolução quântica” e que “a mecânica quântica tem o poder de criar computadores que deixarão as maquinas atuais vendo poeira”. Seu objetivo com as diversas iniciativas é “interceptar a segunda revolução quântica, recrutando e retendo os melhores especialistas quantum do mundo, oferecendo a eles os recursos e o capital para que façam seu trabalho e treinem novos estudantes até atingir a massa crítica suficiente para que as coisas aconteçam”.
Tenho a impressão que ainda vamos escutar falar muito de Mike Lazaridis e da cidade de Waterloo. A história da UW, do Blackberry e do ecossistema empreendedor criado em seu entorno tem muito a ensinar para os responsáveis por políticas públicas e para os empresários que tem ambição de construir algo maior do que somente riqueza individual e familiar.


Muito legal. Mas, enquanto estava lendo, fiquei pensando no Brasil de hoje… No atraso que os cortes de recursos para a pesquisa de ponta e para as universidades vai desencadear em nosso país. Retrocesso e barbárie. 😟
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