Caráter e Temperamento: semelhanças e diferenças entre Modelos de Personalidade

Carácter y Temperamento: similitudes y diferencias entre los Modelos de Personalidad de 7 y 5 Factores (el TCI-R versus el NEO-FFI-R y el ZKPQ-50-CC)

Joan Dolcet i Sierra

Nesta tese de doutorado para o departamento de Psicologia e Pedagogia da Universidade de Lleida, a autora compara os três modelos de personalidade mais utilizados pelos setores acadêmicos modernos: o TCI-R, o NEO-FFI-R ou o modelo atualizado dos 5 Grandes e o ZKPQ-50-CC.

O TCI-R (Inventário de Temperamento e Caráter Revisado) foi lançado em 1991 e, como o próprio nome sugere, é uma revisão de um primeiro questionário de 1987 lançado pelo professor Robert C. Cloninger, da Universidade de Saint Louis, nos Estados Unidos e que busca organizar os elementos do Modelo de Personalidade. Cloninger “defende que o que diferencia a personalidade dos indivíduos são os diferentes sistemas que participam na recepção, processamento e armazenamento da informação que recebem a partir da experiência”. Esta informação trafega por dois sistemas de memória com funções distintas.

De um lado está a Memória Implícita ou Semântica, que armazena nossas lembranças inconscientes e implícitas e está relacionada a nossas respostas automáticas e ou ações rotineiras, nossos hábitos e nossas emoções. Esta memória perceptual seria a responsável por nosso Temperamento, ou aos aspectos da nossa personalidade regulados por fatores hereditários, de acordo a predisposições “de fábrica”. Sua variância entre os indivíduos se explica entre 40 e 65% via fatores genéticos. São características que se mantém relativamente estáveis ao longo da vida e são pouco influenciados pelo ambiente. O temperamento está composto por quatro dimensões:

  • Busca por Novidade (NS): determina como é a resposta das pessoas em relação a mudanças e situações novas (mais ou menos conservadora), se são pessoas mais reflexivas ou impulsivas, mais reservadas ou extravagantes ou se sentem mais confortáveis ou não em ambientes organizados e com mais regras. Empreendedores costumam ter pontuações mais altas nesta dimensão.
  • Esquiva ao Dano ou Aversão ao Risco (HA): se são pessoas mais otimistas ou pessimistas, se são confiantes ou tem medo a incerteza, se são mais ou menos tímidas e se se cansam mais ou menos rápido. Nesta dimensão, os empreendedores tendem a ter pontuações mais baixas que os não empreendedores.
  • Dependência de Recompensa (RD): esta dimensão reflete nossas respostas nas interações com outras pessoas, se somos mais insensíveis ou sentimentais, mais frios ou mais sociáveis, se somos mais reservados ou mais extrovertidos e se somos mais independentes ou se buscamos a conformidade dos demais. Pontuações baixas nesta dimensão indicam pessoas mais independentes, que são pouco influenciadas por pressões sociais e que tem atitudes mais práticas em relação a vida.
  • Persistência (PS): esta dimensão estabelece se a pessoa é ou não esforçada, trabalhadora, ambiciosa e/ou perfeccionista.

De outro lado está a Memória Explícita ou Episódica, relacionada a experiências pessoais identificáveis ou as experiências conscientes. Seu desdobramento são as dimensões do Caráter de uma pessoa e está relacionado ao o que fazemos com nós mesmos de forma intencional, como refletimos e agimos em relação ao nosso comportamento. Justamente por esta característica consciente, via nosso caráter podemos ajustar certas respostas automáticas pré-definidas em nosso comportamento e, desta forma, desenvolver mudanças em nossa conduta final. As dimensões do caráter descrevem o grau de percepção de uma pessoa em relação a si mesmo:

  • Auto-direção (SD): mede o grau de independência e segurança dos indivíduos, quanto eles conseguem controlar, regular e adaptar sua conduta, ajustando-a as situações de acordo a metas e valores escolhidos anteriormente. Nesta dimensão identifica-se a autoestima, a responsabilidade, a orientação e a definição de metas, a competição, a determinação e a iniciativa para resolver problemas e a auto-eficácia. Empreendedores costumam ter altas pontuações nesta dimensão.
  • Cooperação (C): nesta dimensão estão refletidos os aspectos relacionados ao relacionamento com os demais, tolerância ou aceitação social, empatia ou insensibilidade, egoísmo ou tendência a ajudar, vingança e compaixão e oportunismo.
  • Autotranscedência (ST): o indivíduo visto como parte de uma unidade maior, esta dimensão descreve aspectos da personalidade relacionados a espiritualidade e a transcendência.

Estas sete dimensões são distribuídas em um questionário de 240 perguntas com uma escala de 1 a 5.

Já o Modelo dos 5 Grandes, aperfeiçoado por Costa e McCrae em 1985, estabelece 5 grandes dimensões que definem a personalidade dos indivíduos, conhecidas pelo acrônimo em inglês OCEAN:

  • Abertura a experiência (openness – O): nesta dimensão estariam as ações, as ideias, os valores, mas também os sentimentos, a estética e a fantasia.
  • Responsabilidade (conscientiousness – C): inclui conceitos como competência, organização, sentimento de dever, necessidade de conquistar, autodisciplina e planejamento.
  • Extroversão (extraversion – E): com um conceito um pouco mais amplo, que inclui aspectos de relacionamento com os demais, como cordialidade e gregarismo (preferência para estar em companhia), mas também assertividade, energia, busca por emoções e tendências a experimentar emoções positivas.
  • Amabilidade (agreeableness – A): também entendido como cordialidade, inclui elementos como confianças nos demais, franqueza, altruísmo, atitude conciliadora, modéstia e sensibilidade com outras pessoas e empatia.
  • Instabilidade Emocional (neuroticism – N): inclui sentimentos como ansiedade, agressão e hostilidade, depressão, impulsividade e vulnerabilidade ao estresse.

Este é o modelo mais difundido entre os acadêmicos e é um pouco mais fácil de aplicar do que o TCI-R. São 180 questões que avaliam 60 itens, sendo 6 por cada uma das 5 dimensões. Veja aqui como os empreendedores se destacam neste teste.

O Modelo dos Cinco Alternativos de Zuckerman (1991) tem uma abordagem biológico-fatorial e se contrapõem a abordagem léxica (baseada na linguagem e nas palavras para a definição das dimensões da personalidade e do comportamento) dos Cinco Grandes tradicionais. Este modelo entende que nossa conduta e personalidade são caracterizadas por bases biológicas e hereditárias (mais próximas as dimensões de Temperamento de Cloninger) e que têm semelhanças com o comportamento de qualquer outra espécie não humana, especialmente aquelas que convivem em grupos sociais ou colônias. As cinco dimensões deste modelo são:

  • Impulsividade – Busca de Sensações (ImpSS): relacionadas à impulsividade e busca de novas experiências e sensações, intensas, variadas e complexas, com vontade de experimentar, sem muito planejamento ou medição dos riscos e das consequências.
  • Neuroticismo – Ansiedade (N-Anx): Novamente a instabilidade emocional, tensão, medo, indecisão, sensibilidade a crítica e falta de confiança em si mesmo. O principal aspecto desta dimensão está relacionado com aspectos negativos da emoção e dos sentimentos.
  • Agressividade – Hostilidade (Agg-Host): esta dimensão configura a forma como nos relacionamos com as outras pessoas – de forma agressiva, grosseira, anti-social, maliciosa ou agradável, cordial, amável.
  • Atividade (Act): relacionado ao nível de energia de cada um, sua capacidade para o trabalho, uma combinação da necessidade de fazer coisas, preferência por desafios que necessitem muito esforço, e ao mesmo tempo, falta de habilidade para relaxar.
  • Sociabilidade (Sy): faz referência ao número de amigos e a vontade de estar com eles, de realizar atividade em grupos em contraposição a atividades individuais.

El modelo de Zuckerman evoluiu para um questionário simplificado de 50 perguntas, com respostas de Verdadeiro ou Falso – o ZKPQ-50-CC. Por ser um modelo de base totalmente biológico, suas dimensões estão diretamente relacionadas com neurotransmissores, mais especificamente ao nível de Monoaminoxidases (MAO), uma enzima que atua nas sinapses neuronais do Sistema Nervoso Central. Nosso comportamento, portanto, estaria diretamente relacionado com os níveis de dopamina, serotonina e noradrenalina presentes no nosso cérebro.

O autor da tese analisa cada um dos três modelos de forma individual, tratando de entender a consistência dos mesmos, comprovando, por exemplo, que todas as dimensões de todos os modelos tendem a ter uma distribuição normal em uma amostra aleatória e estatisticamente consistente da população. Correlacionou também as dimensões dos modelos, buscando coincidências ou divergências entre elas. Finalmente, em uma mesma amostra, aplicou os três modelos de forma simultânea e comparou os resultados.

De modo geral, o autor conclui que não existe um modelo melhor que outro e que todos são consistentes em suas observações. Existem correlações muito altas nas dimensões de Neuroticismo (a do equilíbrio emocional), Extroversão e Socialização, as três presentes nas dimensões de temperamento de Cloninguer.

A principal crítica proporcionada pelo trabalho vem justamente relacionadas as dimensões de caráter do mesmo autor. Considerando que as correlações destas dimensões não têm diferenças relevantes das observadas pelas dimensões de temperamento, pressupõe-se que não haveria distinção entre elas. Temperamento e Caráter não teriam origens e desenvolvimentos diferentes (um impactado pela hereditariedade e outro pelo ambiente), e seriam dimensões mais homogêneas, com a mesma origem biológica.

Eu, pessoalmente, apesar desta explicação das correlações, sigo preferindo a argumentação de Cloninguer de um modelo com Temperamento e Caráter, mas estou mais convencido (do que estava antes), em relação as bases genéticas (e químicas) de nosso comportamento. Será que no futuro, poderemos ter uma pílula para melhorar nossas capacidades empreendedoras (ou qualquer outra que queiramos desenvolver)?

Sigo investigando…

3 comentários

Deixe um comentário