Bilhões de Empreendedores

Bilhões de Empreendedores

Tarun Khanna

O autor é um professor de Harvard, especializado em atividade empreendedora em mercados emergentes. Neste livro de 2007 (publicado no Brasil em 2009) ele desmembra as características empreendedoras dos dois gigantes do Himalaia: China e Índia. Qualquer exercício que pretenda entender o mundo que começa a desenhar-se a partir do século XXI, tem que passar obrigatoriamente por estes dois países que representam um mercado de mais de 2 bilhões de pessoas, 1/3 da população mundial. Ambos se transformaram e transformaram o planeta, basicamente via a atuação de suas empresas e de seus empreendedores. Interessante notar que os modelos de empreendedorismo dos dois países são totalmente opostos.

A China tem como principal empreendedor o Estado, mais especificamente os membros do Partido Comunista (CCP). Em uma estrutura de tomada de decisão de cima para baixo, os componentes do partido, alinhados aos objetivos do governo central, tem autonomia local (nas províncias) para iniciarem negócios dos mais variados tipos. Os modelos de negócio incluem muitas joint-ventures com agentes privados, inclusive investidores ou parceiros estrangeiros, mas sempre com a participação estatal.

O foco no desenvolvimento econômico e a formação de poderosas empresas chinesas com presença global é um componente fundamental da estratégia do governo. Para alcançar este objetivo, o estado não poupa esforços financeiros (via financiamentos bancários e investimento direto) e conta com um Partido com uma cultura própria, que promove a concorrência dentro de sua hierarquia, similar as carreiras meritocráticas das grandes companhias ocidentais, onde os melhores e mais brilhantes candidatos chegam ao topo. “Como recompensa pelo monopólio do poder, o CCP promete e oferece amplamente bem-estar material. ”

A elite do partido é extremamente bem preparada via universidades públicas, onde o debate de ideias é permitido e incentivado nos âmbitos internos do partido. E diferentemente das universidades ocidentais, que quase não estudam os países e cultura orientais, dedicam muitas horas a debates e reflexões sobre temas ocidentais, incluindo a Constituição Americana e a Declaração de Direitos Humanos.

O foco no desenvolvimento dos negócios é tão poderoso, que até as restrições de acesso a informação são “mais brandas” quando estão relacionadas as notícias e informações relacionados ao mundo das empresas. Muitos jornalistas inclusive, usam “análises” e reportagens de negócios para mascarar críticas as políticas de estado, normalmente punidas com retaliações severas e até execuções.

No ranking de 2017, 115 empresas chinesas figuravam na lista das 500 maiores empresas do mundo da revista Fortune. Em mais 15 ou 20 anos, a economia chinesa ultrapassará a norte-americana como a maior economia do mundo.

A Índia tem um modelo totalmente oposto, com os empreendedores fugindo ao máximo do envolvimento com o governo. É um modelo com um pluralismo e uma heterogeneidade muito maiores, com a livre concorrência incentivando as melhoras de eficiência. Enquanto na China uma cidade pode ser criada do nada, com a desapropriação de casas pelo governo com pagamentos de indenizações miseráveis, na Índia chegar-se a acordos democráticos em uma sociedade com uma infinidade de etnias, religiões e interesses socioeconômicos distintos, que quase sempre discordam de tudo, é uma tarefa hercúlea, quase impossível.

Esta ineficiência institucional, fruto dos bem-intencionados mecanismos de controle para evitar os abusos do governo, faz com que as coisas sejam um pouco mais lentas na Índia. Na democracia indiana “o objetivo de todo o desenvolvimento é o ser humano”, o que implicava em maior regulação das práticas empresariais.

Este ambiente exige dos empreendedores uma maior criatividade, “o setor privado indiano, em particular, tem representado a verdadeira Índia – pragmática, progressista, diversificada, aberta para o mundo. ” Os negócios de maior destaque mundial se desenvolveram principalmente nos setores intangíveis da economia, como software, mídia, propaganda e biotecnologia – setores normalmente negligenciados pela regulação estatal. No mesmo ranking de 2017, 7 empresas indianas figuravam na lista das 500 maiores do mundo, mesmo número de empresas brasileiras.

Assim como já havíamos visto no caso de Israel, o ambiente tem um papel fundamental no desenvolvimento da atividade empreendedora. As políticas de estado podem facilitar ou dificultar o nascimento e perpetuação das empresas, proporcionando espaços de aprendizagem e desenvolvimento pessoal (universidades de ponta), garantindo mecanismos de financiamento (público ou privados) e permitindo a concorrência.

Como demonstra o caso dos dois gigantes asiáticos, não existe um caminho único para gerar este ambiente. Sabemos que o desenvolvimento econômico puro e simples não basta para compor uma sociedade mais justa e equânime, mas não tenho dúvidas de que é um dos seus componentes fundamentais. Assim como não tenho dúvidas de que o empreendedorismo é um dos caminhos possíveis para o desenvolvimento individual do ser humano…

“Meu legado para a Índia? Espero que sejam 400 milhões de pessoas capazes de se governarem” Jawaharlal Nehru, ou Pandit (professor) Nehru, o primeiro primeiro-ministro da historia da Índia, apos a independência, em 1947

“Como empreendedores, estamos condenados a ser concubinas de empresas estatais ou amantes das multinacionais” Wu Kegang, dirigente da vinícola chinesa Yunnan Hong Wine

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3 comentários

  1. Muito interessante este artigo. Me fez pensar sobre o significado de “caminhos opostos”. Me pareceu que a oposição em que a maioria das pessoas do mundo ocidental acredita entre capitalismo e comunismo não existe. A China é muito capitalista e tem um Estado forte que atua para fortalecer cada vez mais o capital chinês. A economia ocidental é capitalista e tem Corporações fortes que querem liberdade para agir em substituição a um Estado forte e ditar as regras para fortalecer seus próprios capitais. Onde está a oposição? Se se trata sempre – cá e lá – de se “premiar” alguns poucos? A quem interessa promover essa “crença” na oposição anacrônica entre capitalismo e comunismo e por quê? E será que, de fato, os premiados são sempre os empreendedores e/ou as pessoas que possuem “mérito”? Até que ponto a sorte (ou o aleatório) não influencia nos resultados?🤔

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