A estória do Airbnb: como três caras comuns disruptaram uma indústria, fizeram bilhões… e criaram uma série de controvérsias
Ligh Gallagher
Brian Chesky se formou em desenho industrial e estava desempregado quando ele e seu amigo Joe Gebbia anunciaram um espaço para alugar no apartamento em que moravam com o objetivo de conseguir pagar o aluguel. Quase sem querer, se tornaram empreendedores-top da chamada economia compartilhada (sharing economy). A estória do Airbnb, que foi fundado em 2008, é uma das principais sagas de empreendedores do Vale do Silício. Nasceu apoiada nos conceitos de sociedades exponenciais, que repassamos com Diamandis: internet, user experience, servidores em cloud e comunidades.
Chesky conheceu Gebbia em um curso de design em Rhode Island. Formaram um grupo e se deram bem no curso. De lá, Chesky conseguiu um emprego em Los Angeles e Gebbia foi para San Francisco com vontade de empreender. Ele tinha gostado de trabalhar com Chesky e achava que podiam fazer algo juntos. Acabou convencendo Chesky a também mudar pra lá, mesmo sem emprego. A oportunidade do que começou a ser o Airbnb surgiu da necessidade de conseguirem grana para pagar o aluguel. Aproveitaram um evento de designers que ia ocorrer na cidade e anunciaram um quarto do apartamento. Deu certo e viram aí uma grande oportunidade de negócio. Eventos itinerantes deste tipo aumentavam a demanda por hospedagem e sempre haveria gente atrás de lugares baratos e temporários. E assim como eles, deveria ter gente disposta a ceder seus espaços em troca de uma grana.
Em um dos cafés de San Francisco, conheceram Nate Blecharczyk, um engenheiro de computação que parecia disposto a ajudar na construção do site para aluguel dos espaços. O começo da empresa foi bastante rudimentar e até meio tosco. O negócio não tinha tanta tração e mal dava para pagar as contas. Como estavam em San Francisco, o acesso a investidores era relativamente fácil. Só se falava de startups e negócios da nova tecnologia. Fizeram algumas conversas, mas nenhum investidor se interessou. Até que conseguiram uma oportunidade de conversar com Paul Graham, dono da Y Combinator, um dos principais fundos de seed capital do Vale.
O pitch com a Y Combinator vinha muito parecido as conversas anteriores com outros investidores – era difícil vender a ideia de que as pessoas abririam suas casas para estranhos. Até que Gebbia tirou da mochila uma caixa de cereal com a imagem do Barack Obama. No desespero de pagar as contas, eles tinham aproveitado a quantidade de gente que se mobilizava para as eleições internas dos partidos americanos para a corrida presidencial americana e começaram a montar caixas de cereal personalizadas. Compravam uma caixa de cereal normal, colavam a foto do candidato e vendiam 3 vezes mais caro. Isso chamou a atenção de Graham, que viu potencial no grupo de empreendedores.
Por causa das caixas de cereal, conseguiram entrar no programa de seed capital do Y Combinator. Receberiam usd 20 mil em troca de 6% da empresa e 3 meses do programa de aceleração da empresa, um “full-on startup scholl”, cujo único objetivo é sair de lá com uma empresa autossustentável, que pague suas próprias contas.
Chesky, Gebbia e Blecharczyk aproveitaram ao máximo a oportunidade. Aprenderam tudo o que podiam e se dedicaram 24×7 ao programa e ao objetivo de tornar a empresa autossuficiente. Focando principalmente em Nova York e inovando na forma de colocar as fotos no site (tipo uma revista), conseguiram cumprir o objetivo. A partir daí começaram uma trajetória espetacular via a indústria de Venture Capital do Vale do Silício: primeiro com um aporte de usd 615 mil da Sequoia Investimentos e um valuation de USD 2,4 MM. Em seguida, mais usd 7,2 MM da Greylock Partners e logo depois mais usd 112 MM de funding de uma série de investidores, entre eles a Andreessen Horowitz. A esta altura, pouco mais de três anos após a fundação, a empresa já era avaliada em usd 1,2 bilhões e era oficialmente, um Unicórnio. A empresa abriu seu capital no final do ano passado e hoje vale mais de USD 100 bilhões (mais que Marriot e Hilton, juntos), está presente em 220 países e tem uma oferta de 4 milhões de quartos para alugar para mais de 70 milhões de clientes. Da leitura da trajetória da empresa contada no livro, na minha opinião, alguns fatores explicam esta estória estrondosa de sucesso:
- O Vale do Silício: vendo a trajetória da empresa e dos empreendedores, é impossível negar o papel super relevante de estar no lugar certo, na hora certa. O lugar certo neste caso, é o Vale.
- Oferta de Talentos: foi lá que conheceram a um dos fundadores, o engenheiro Nate, que montou a versão inicial da plataforma e até hoje é o principal responsável de TI da empresa.
- Uso da Rede de Empreendedores: a empresa e os empreendedores evoluíram de forma impressionante conforme ganhavam novos aportes de capital. Mas o que mais fez a diferença, não foi tanto a grana, mas principalmente a rede que foram construindo. Através de seus sócios investidores, Chesky teve acesso a pessoas como Warren Buffet, Mark Zuckeberg, Jeff Bezos, entre outros. Estes contatos foram fundamentais para ajudar no direcionamento estratégico da empresa e na resolução de problemas específicos. Os empreendedores do Airbnb souberam usar esta rede de forma exemplar.
- Timing: o Airbnb foi fundado em 2008, no meio da crise dos subprimes, em uma economia em recessão. De um lado, as pessoas buscavam alternativas mais econômicas para suas férias e viagens de negócios. De outro, havia um contingente de pessoas com necessidade de ter uma renda extra. A empresa juntou a fome com a vontade de comer. Sua base inicial de clientes foram os millenials, gente jovem, disposta a arriscar e que está em busca de autenticidade e experiências, elementos que estão na proposta de valor do Airbnb. E claro, sem internet e servidores na nuvem, este tipo de empresa seria impossível de existir.
- Time Fundador: algo que foi amplamente reconhecido pelos investidores entrevistados para o livro foi o balanceamento de perfis encontrado no time fundador do Airbnb. Todos com muita rigidez intelectual, como definiu Paul Graham. Rigidez no sentido de firmeza e consistência, a preocupação em entender as coisas em profundidade. Todos muito inteligentes, mas com perfis completamente diferentes e complementares.
“… os fundadores fizeram um teste de personalidade que classificava as pessoas em três sessões de um círculo. Quando os administradores do teste plotaram os resultados, cada um dos três fundadores estava em uma sessão diferente, perfeitamente equidistantes entre eles. Nunca tinha visto algo similar, era um perfeito triangulo isósceles”
Primeiro Chesky, o CEO, uma máquina de aprender. Um designer visionário, apaixonado por hóquei, que aprendeu a ser disciplinado e preciso na escola militar. Este perfil de certa forma equilibrado, coloca a Chesky entre os melhores CEOs do Vale, “o melhor CEO desde Zuckerberg”. Pessoalmente, me chamou bastante atenção a forma como busca aprender coisas novas. Ao invés de buscar muitas informações de diferentes fontes sobre determinado assunto e depois montar sua própria definição, Chesky toma muito tempo para encontrar a pessoa que mais entende daquele tema, o maior especialista naquele assunto. E depois, simplesmente encontra uma forma de entrevistar esta pessoa com uma lista muito precisa de perguntas. Chesky não é um CEO para uma empresa aleatória. Ele é movido por paixão e quer transformar o Airbnb em muito mais do que uma plataforma de aluguel de imóveis. Está criando uma empresa que tem como missão criar um mundo em que as pessoas tenham um sentido de pertencimento, não importa onde estejam. Já há algum tempo, que o Airbnb é uma empresa de compartilhamento de experiências.
Depois, está Joe Gebbia, o empreendedor que convenceu Chesky a ir a San Francisco e é, atualmente, o head de inovação da empresa. Um perfeccionista que gosta da execução, de testar as hipóteses e descobrir novos mercados, mas que se cansa do dia a dia de uma empresa já consolidada.
Por fim, o cara que baixa tudo a terra e faz as coisas saírem das ideias para a realidade. Nate Blecharczyk (ISTJ no MTBI) foi quem construiu a primeira versão da plataforma, com toda a sua estrutura de pagamentos, recomendações e filtros, com um dos “back-ends mais sofisticados do Vale”.
Mas, e o modelo de negócios? Sem dúvidas que para construir uma empresa que vale mais de usd 100 bi e que tem milhões de clientes espalhados pelo mundo, você precisa ter um modelo de negócios inovador e diferente. O modelo do Airbnb foi se construindo ao longo do caminho. Se transformou em algo que os fundadores não podiam imaginar nos seus começos. Nenhum deles nunca imaginou um negócio com a escala que atingiu. Para se ter uma ideia, no começo, o Airbnb chegou a recusar clientes porque os proprietários queriam alugar a sua casa inteira (e não somente um quarto ou um colchão inflável – o Air do nome da empresa vem de colchão de ar, “AirBed and Breakfast”) e não tinham o café da manhã para oferecer.
O que parecia uma outra plataforma de aluguel de casas para as férias, como o Craiglist ou a VRBO (Vacational Rental by Owner), veio com um foco enorme no design (“três cliques até o booking”, inspirado na Apple), um sistema robusto integrado e as fotografias de qualidade, parecendo uma revista de decoração. Já era algo diferente, sim, mas que acabou caindo nas graças de um público majoritariamente urbano, que buscava lugares de um ou dois dormitórios. Descobriu o chamado oceano azul, onde não havia ninguém. Algo que não estava no radar das grandes cadeias de hotéis, que quando acordaram, já era tarde. Quase sem querer, montaram uma das plataformas de economia compartilhada mais eficientes da atualidade.
Então, saber se reinventar e “pivotar” foi fundamental no Modelo de Negócios do Airbnb. Já há algum tempo que a empresa deixou de ser somente um site de intermediação de aluguel de espaços. Seu negócio se expandiu para uma plataforma para trocas de experiências, mantendo a visão de oferecer o sentimento de pertencimento a qualquer um, em qualquer lugar.
Na próxima semana, dia 25/02, a empresa fará sua primeira divulgação de resultados após o IPO. Será uma excelente oportunidade para ver como seu negócio foi impactado pelo Covid, mas principalmente, qual a tração de suas novas linhas de negócios.
A seguir, aquelas boas passagens do livro que vale a pena deixar registrado para consultas posteriores…
“Chesky estudou algumas das maiores empresas de tecnologia como Google, Apple e Amazon e chegou a duas conclusões: a sobrevivência de uma empresa de tecnologia depende da vontade de se expandir para novas categorias e de que o CEO tenha a disciplina de colocar as novas empreitadas a frente dos negócios existentes, envolvendo-se pessoalmente nestes novos projetos”
“Você não pode matar uma ideia cuja hora chegou” Victor Hugo
“O homem racional se adapta ao ambiente. O irracional, luta para adaptar o mundo a ele. Portanto, todo o progresso depende dos homens irracionais”. Bernard Shaw
“Primeiro eles te ignoram. Depois, eles te ridicularizam. Depois, eles lutam contra você. E depois, você vence” Gandhi
“Não existe curva de aprendizagem para quem está na guerra ou em startups” Robert McNamara
“Os esportes são o único lugar onde você rapidamente aprende sobre suas limitações” Brian Chesky
“Os pessimistas normalmente estão certos, mas são os otimistas que mudam o mundo” De Tom Friedman, colunista do NY Times.
“Por que se você é uma empresa de tecnologia, você não pode presumir que sua invenção original será a coisa que você estará vendendo daqui a muitos anos” de Brian Chesky, sobre a necessidade de a empresa expandir de forma importante seu leque de produtos.
“Quando o Airbnb abriu sua trajetória de disrupção com as acomodações compartilhadas, fez isso quase por acidente, transformando isso em algo inesperadamente admirável, enorme e viral”
“No final, você escolhe a quem escutar e o tipo de coragem que você terá” sobre os rumores de abertura de capital, que acabou ocorrendo quase três anos da publicação do livro.
“… A partir do momento que uma empresa de tecnologia pega o seu primeiro dólar de um Venture Capital, ela se torna refém do desejo do investidor de maximizar o seu retorno. E o principal parâmetro demandado para as startups investidas será crescimento, acima de qualquer outro” De Jessi Hempel, head do editorial online de tecnologia Backchannel.
“Tudo o que nós fazemos e tudo o que faremos, será feito pelas pessoas” de Chesky, defendendo o potencial e o compromisso da empresa com a economia compartilhada.


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