Skin in the game

Skin in the Game

Nassim Nicholas Taleb

Tem livro que você lê e ele flui. Entrega o que se esperava dele. Os livros de Taleb são daqueles que fazem você questionar as premissas. Eles são mais difíceis de ler e digerir, ficam muito tempo dando voltas na sua cabeça. Este “Skin in the Game” é o último livro da série “Incerto”, que inclui também seus best sellers “O Cisne Negro” e “Antifrágil” e segue com a sua metralhadora de críticas as teorias de curva em forma de sino. Traz definições polêmicas a respeito da assunção de riscos e da racionalidade.

Taleb tem quase 700.000 seguidores no Twiter (uma de suas formas de tomar riscos e se expor) e muitas ideias polêmicas. Suas assimetrias ocultas são dicotomias entre aqueles que tomam risco (e aprendem, arriscam sua pele) e aqueles que os evitam:

Ação x Palavras em vão

Ética x Lei

Consequência x Intenção

Honra x Reputação

Concreto x Abstrato

Genuíno x Cosmético

Mercantil x Burocrático

Empreendedor x Diretor Executivo

Força x Exibição

Amor x Vampirismo

Omaha x Washington

Seres Humanos x Economistas

Democracia x Governança

Ciência x Cientifismo

Politica x Políticos

Autores x Editores

Espírito x Publicidade

Compromisso x Sinalização

Genes x Línguas (idiomas)

Coletivo x Individual

Ataca economistas (o contrário de seres humanos), burocratas, empregados públicos, empregados de multinacionais e todas as demais pessoas que, segundo ele, não têm contato com a realidade. Eu, que sou economista de formação, tenho trabalhado por muito tempo em empresas multinacionais e tenho muitos parentes que são empregados públicos, me sinto, no mínimo, incomodado.

Escuto as críticas e penso na responsabilidade que estas pessoas têm em períodos de crise. Quando surge uma epidemia (vide covid) ou uma catástrofe natural e elas têm de responder da forma mais profissional e técnica possível, pensando na coletividade. Tremenda responsabilidade! O mesmo acontece na esfera privada, formada por técnicos e seus títulos da Ivy League (Universidades do leste Americano, super criticadas por Taleb e que incluem nomes como Harvard, Yale, Princeton e Columbia). Merecem todo o nosso respeito, mesmo sem assinar o Código de Hammurabi – “do olho por olho, dente por dente” e do “aqui se faz, aqui se paga” – onde não existem riscos ocultos.

Para mim o mundo não é binário. Quando respiro fundo e tento racionalizar, eu entendo a crítica de Taleb. Ele chama a nossa atenção para a assimetria que existe entre alguns destes tomadores de decisão (políticos e burocratas) e as pessoas que são realmente impactadas por elas. São situações com ausência de simetria, por exemplo, nos negócios de estilo Bob Rubin. O ex ceo do Citigroup acumulou mais de usd 120 MM de bônus em dez anos, quando as coisas iam bem. Quando elas deram errado – na crise do subprime de 2008 – uma ajuda do governo com dinheiro público salvou o banco de uma quebra. E Bob saiu somente sem o bônus daquele ano.

Taleb pede para que desconfiemos destes “certos tipos de especialistas”, que normalmente são julgados por seus pares e que não têm contato com a realidade. Diferencia as pessoas que assumem riscos (risk-taking) daquelas que buscam uma renda, sem necessariamente agregar valor para a sociedade (rent-seeking).

Ele repassa o lado virtuoso da assunção de riscos e recomenda: “Se você tem 20 anos, abra um negócio. Crie empregos e adicione valor a sociedade”. Mas, não esqueça, que primeiro você tem que sobreviver. “Tome riscos, mas garanta que estará vivo no dia seguinte”.

Em relação a racionalidade, ele ataca argumentos ou abordagens computacionais da mente (onde as decisões são tomadas em termos de probabilidade, como vimos, por exemplo, no livro de Ray Dalio e seus algoritmos tomadores de decisão). Para Taleb, só podemos avaliar a racionalidade em termos evolutivos, que relacionam as ações efetivamente tomadas pelos indivíduos para sua sobrevivência. Para sobreviver, nós seres humanos usamos todos os tipos de atalhos e artifícios possíveis, passando pela própria distorção ocular (nossa visão é somente uma projeção da realidade, como nos mostrou o homem-águia), pelos inúmeros vieses cognitivos (heurística da disponibilidade, afinidade, percepção, confirmação e efeito Halo, etc) e chegando, inclusive, a nossas crenças religiosas e superstições – todos elementos úteis para a sobrevivência e que têm suportado nossas decisões ao longo das gerações.

Apela ao conceito de racionalidade limitada de Herbert Simon, um dos percussores da abordagem computacional da mente e um dos pioneiros da Inteligência Artificial, para justificar sua abordagem dos atalhos à tomada de decisão, à gestão de riscos – é fisicamente impossível prever todas as infinitas situações possíveis e como reagir a elas. “A racionalidade é gestão de riscos e nada mais”. No fim do dia, acho que ele está falando a mesma coisa que Dalio – ambos discutem como tomamos decisões. Mas, traz elementos adicionais para o algortimo – aquelas coisas que sua avó falava, crenças, religiões e tudo o mais que seja útil e que te ajude na difícil tarefa de sobreviver. Coisas que têm sua eficácia provada pelo tempo (“o grande mestre estatístico”), apesar de não parecerem totalmente racionais.

São, por exemplo, elementos que contém o Efeito Lindy. Coisas que aumentam sua expectativa de vida a cada dia vivido. Claramente, itens perecíveis como alimentos e a vida humana, não têm efeito Lindy, pois sua expectativa de vida diminui com o passar do tempo. Coisas com efeito Lindy ficam mais relevantes e importantes quanto mais antigas são. Podem ser livros, ideias e até empresas. O que tem mais probabilidade de sobreviver mais tempo a partir de agora: uma startup ou uma empresa centenária? Que aposta tem mais probabilidade de ser um êxito editorial: o primeiro livro de um autor desconhecido ou uma reedição de um autor que foi campeão de vendas nos últimos 30 anos?

Taleb expande a questão de tomada de decisões do individual ao coletivo. Introduz conceitos como o poder das minorias, em como em um grupo, a opinião de uma minoria firme e inflexível tende a predominar nas decisões de todo o grupo. Na mesma linha, descreve os mecanismos de funcionamento de sistemas complexos, onde as ações individuais têm pouca relação com as ações dos grupos.

Por fim, volta ao conceito de ergodicidade (“ o conceito mais poderoso que conheço”), ou estado de irreversibilidade, que se aplica a situações que probabilisticamente tendem à ruina e onde a probabilidade de um evento anterior se aplica obrigatoriamente a eventos futuros. Estes eventos – quase todos os eventos do mundo real – não podem ser medidos com curvas em forma de sino. É neste mundo que se movem os empreendedores e aqueles que assumem riscos.

Taleb me fez pensar, novamente, nos significados. Instiga as pessoas a serem protagonistas. Como parte da nossa evolução – pessoal ou como coletivo de indivíduos. Porque não podemos pensar em nossa evolução pessoal sem deixar de impactar também o coletivo.

“A vida autêntica exige assumir riscos.”

“Porque repito, a vida é sacrifício e assunção de riscos, e qualquer coisa que não implique um grau moderado do primeiro, sempre e quando satisfaça o segundo, não se aproxima nem de longe ao o que chamamos de vida”.

Cada parte extraída do texto dá para um debate de algumas horas…

”É preferível ter um exército de ovelhas dirigido por um leão que um exército de leões dirigido por uma ovelha”

“O racional é o que permite sobreviver ao coletivo (entidades destinadas a viver longo tempo)”

“Os artesãos põem a alma em seu trabalho”

“A habilidade para fazer coisas é diferente da habilidade necessária para vendê-las”

“Eram pessoas de ação e estavam dotadas de um espirito audaz que lhes fazia arriscar a pele (skin in the game)”

“Todo mundo quer colocar a alma no que faz”

“Dar conselhos como argumentos de venda é fundamentalmente pouco ético”

“O ético sempre é mais solido que o legal. Com o tempo, o legal acaba convergindo ao ético, nunca o contrário.”

“A ideia principal que surge dos sistemas complexos é o que conjunto se comporta de uma forma não prevista por seus componentes. As interações são mais importantes que o caráter das unidades”. Sobre como são coisas totalmente diferentes prever o comportamento de um individuo (“caso isso fosse possível”) e de um grupo de pessoas.

“Compreender como funcionam as diversas subpartes do cérebro (por exemplo, os neurônios), nunca (grifo meu) nos permitirá compreender como o cérebro funciona em si mesmo)” em crítica direta aos neurocientistas.

“Não se pode definir a natureza humana sem fazer menção as relações com outros seres humanos. Recordemos que não vivemos sozinhos, senão em grupo, e que nada relevante afeta a uma pessoa isolada, o que é, na essência, matéria de estudos de trabalhos experimentais” em outra crítica, agora aos economistas comportamentais e a ciência comportamental em geral.

“Yaneer Bar-Yam considera que o enfoque de campo médio não pode aplicar-se a teoria evolutiva do gen egoísta, preconizado por mentes periodisticas tão agressivas como as de Richard Dawkins e Steven Pinker, que dominam mais a língua inglesa que a teoria das probabilidades”.

“Quem foi empregado por pelo menos uma vez na vida apresenta sinais claros de submissão”.

“Quem assume riscos podem ser pessoas socialmente imprevisíveis. A liberdade está sempre associada a assunção de riscos, seja por que eles mesmo o provocam ou porque venham deles. Um assume riscos e se sente parte do negócio. E quem assume riscos atua desta forma por que são animais selvagens e não podem ir contra sua natureza”.

“O empreendedor ganha atando e não compreendendo”.

“Resolver equações para tomar decisões não é algo que os seres humanos podamos aspirar a conseguir: é computacionalmente impossível”

“O valor (o fato de assumir riscos) é a virtude mais alta. Precisamos de empreendedores.”

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