O Poder do Hábito
Charles Duhigg
A esta altura já vimos que o cérebro funciona como uma máquina biológica que atua muito por conta própria. E que nossa capacidade de gerir esta máquina pode ser bastante limitada, caso não estejamos muito atentos a nossos comportamentos e sentimentos.
A maneira mais eficiente, e talvez a única, de manter a mente na direção que queremos é através de nossa rotina, de nossos hábitos. Nossas atitudes definem nosso comportamento. Somos o que somos, porque fazemos o que fazemos.
Charles Duhigg é um repórter investigativo do New York Times e se aprofundou em entender “porque fazemos o que fazemos na vida e nos negócios”, como diz o subtítulo de seu livro, que já é uma referência sobre o tema. Ele separa sua investigação em três partes e detalha como os hábitos influenciam, não somente na vida das pessoas (parte 1), mas também nas empresas (parte 2) e nas sociedades (parte 3).
O livro, que foi publicado em 2012, cai como uma luva nestes tempos de confinamento compulsório de grande parte da população e que todos falam em mudanças de hábitos de clientes, consumidores, colaboradores, empresas e até de governos. A dúvida que sempre acompanha estas discussões é se estas mudanças de comportamento – que no curto prazo são quase obrigatórias – persistirão quando o Covid-19 estiver controlado.
Em primeiro lugar, antes de tentar responder às perguntas do parágrafo acima, gostaria de resgatar conceitos-chave dos hábitos, que são ferramentas valiosas para a jornada de um empreendedor, como a garra, suas aptidões naturais, os modelos mentais e a inteligência emocional.
- O loop do hábito: DEIXA –> ROTINA –> RECOMPENSA
Primeiro, é importante esclarecer que os hábitos são mecanismos gerados por nosso cérebro com o objetivo de poupar energia. Quando eles se estabelecem, passamos a operar no modo automático. Outra característica dos hábitos é que eles podem ser flexíveis e maleáveis. Eles podem ser alterados (ignorados ou substituídos), se entendermos como eles funcionam.
Os hábitos são escolhas que fazemos deliberadamente em algum momento e nas quais depois paramos de pensar, mas continuamos fazendo, normalmente todo o dia.
Esta é a definição técnica que do autor. Quando começa a se aprofundar no tema, o autor chega ao Loop do Hábito. Segundo este conceito, os hábitos surgem para satisfazer anseios; vontades ou desejos que temos e que muitas vezes nem percebemos, pode ser uma dose de endorfina ou um senso de realização.
“…uma vez que você está ciente de como seu hábito funciona, que reconhece as deixas e as recompensas, você está a meio caminho de mudá-lo”.
O autor elaborou um MODELO que ajuda a conhecer nossos hábitos:
- Identificar a rotina:
A rotina é o comportamento que você quer mudar (ou construir). Comer fora do horário, dispersar com redes sociais, ver televisão no sofá, fazer esportes, etc. Ela tem sempre uma deixa, espécie de gatilho, e uma recompensa. Identificar esses elementos nem sempre é simples. Passo 1: é preciso atenção ao seu comportamento.
2. Experimentar com recompensas:
As recompensas satisfazem nossos anseios. Alguém que sempre vai a uma cafeteria comprar cookies em determinado horário está com fome, precisa de uma dose de açúcar ou só quer um intervalo para interagir socialmente?
O autor sugere ter atenção com a rotina e mudar sempre a recompensa no final. Sempre que der aquela vontade, ao invés de ir direto nos cookies, comece a variar o final da rotina. Um dia tome um café. Noutro, saia para dar uma volta. Em um terceiro, pare para conversar com algum colega de trabalho.
Depois de cada dia, 15 minutos após a conclusão da rotina, anote as três coisas que venham na sua cabeça. Como você se sente, uma palavra, o que seja. Repita isso depois de cada dia. Os papéis anotados vão te mostrar padrões para identificar o anseio por trás daquela rotina. Passo 2: mude a recompensa associada à sua rotina e entenda como ela muda seus sentimentos.
3. Isolar a deixa:
Agora que você já identificou a rotina e sabe o que ela busca (a recompensa), precisa descobrir qual a deixa que a origina. 95% das deixas se encaixam em uma de cinco categorias: Lugar, Hora, Estado Emocional, Outras Pessoas e Ação Imediatamente Anterior.
Quando o impulso de sua rotina surgir, você tem que anotar as respostas para cinco perguntas:
Onde você está?
Que horas são?
Qual o seu estado emocional?
Quem mais está por perto?
Qual foi a ação anterior ao impulso?
Se fizer isso por pelo menos cinco vezes, vai descobrir o padrão que gera a deixa para a sua rotina. Passo 3: descubra os gatilhos que originam sua rotina.
4. Montar um plano
Um hábito é uma formula (algoritmo, ou regra de cálculo) que o cérebro executa de forma automática: quando vê uma deixa, faz uma rotina, para obter uma recompensa. “Para reprogramar esta fórmula, precisamos começar a fazer escolhas novamente”. Criar um plano. Mantendo as deixas e a recompensa, mas mudando a rotina.
As 15:30hs (mesma deixa), paro o que estou fazendo e vou conversar com um companheiro por 10 minutos, mantendo a minha rotina, mas substituindo os cookies, por uma pausa de interação social – que era a minha verdadeira recompensa.
O livro traz conceitos interessantes que merecem uma repassada e que vão além do Loop do Hábito:
- Hábitos angulares e Pequenas vitórias
Além de transformar hábitos nocivos, a fórmula acima pode ser utilizada para criar novos hábitos. É uma técnica muito utilizada pelos especialistas de marketing, que criam deixas e anseios em busca da formação de novas rotinas nos consumidores.
Esta técnica pode ser utilizada também pelas pessoas, em busca de hábitos que as ajudem a conquistar determinados objetivos. Mas, existem hábitos que são mais potentes que outros, os hábitos angulares. “Eles ajudam outros hábitos a prosperar, criando novas estruturas e estabelecem culturas onde as mudanças são contagiosas”. É como você começar a fazer exercícios de forma regular e, de forma quase automática, começar a se alimentar e a dormir melhor. Um hábito angular (exercícios), começa a mudar outros hábitos complementares (alimentação e sono). Mais importante, os hábitos angulares geram pequenas vitorias, que convencem o seu cérebro de que uma mudança é possível e factível.
“Pequenas vitórias alimentam mudanças transformadoras, elevando vantagens minúsculas a padrões que convencem as pessoas de que conquistas maiores estão dentro de seu alcance”.
Exercícios regulares, tempo dedicado a leitura, jantar todos os dias com a família. São exemplos de comportamentos rotineiros que se transformam em hábitos angulares, com impactos positivos em outros hábitos e comportamentos e que te ajudarão a atingir os objetivos.
- Treinamento para a força de vontade
Já vimos que a força de vontade (a persistência) não é somente uma habilidade, mas funciona como um músculo, que pode ser estimulado e treinado. E também se cansa, se não estiver devidamente estimulado.
O autor traz os exemplos da Starbucks e de outras empresas que incorporaram o desenvolvimento da força de vontade nos treinamentos de seus colaboradores. Mostra como algumas ações relativamente simples conseguem impactos relevantes em sua capacidade de realização.
Tornam a força de vontade um hábito, identificando o que ele denominou de pontos de inflexão. Ou seja, deixas que fazem com que as pessoas desistam ou não tenham a autodisciplina necessária para a execução de determinadas tarefas.
O truque para vencer este desafio é escolher de antemão um plano para colocar em prática (uma rotina) quando o ponto de inflexão surgir. Com mecanismos parecidos com o que vimos anteriormente.
Alguns exemplos:
Como deve reagir um funcionário da Starbucks quando se depara com um cliente apressado e furioso? Tem que ter força de vontade e autodisciplina para não reagir de forma agressiva e emocional. Depois de treinar exaustivamente situações similares (pontos de inflexão), a resposta correta e programada já terá virado um hábito e ele não terá dificuldades em reagir de forma correta e automática.
Em um outro exemplo: como fazer com que os pacientes de uma operação grave no joelho levem a fisioterapia com afinco e voltem a andar mais rápido? Os cientistas descobriram que se você der umas folhas de papel para que eles façam uma lista de coisas que os faria desistir dos exercícios (pontos de inflexão, como a dor, por exemplo) e o que eles deveriam fazer para reagir a elas (pensar em uma rotina), as chances de que se recuperem mais rápido aumentam de forma substancial (treinaram sua força de vontade).
- As organizações também têm hábitos
“Não existem organizações sem hábitos organizacionais”. Ray Dalio mostrou o poder de seus modelos de tomada de decisão aplicados no dia a dia de sua empresa de investimentos. O livro traz o exemplo da Alcoa, que transformou quase todos os seus indicadores de performance mudando os hábitos de seus colaboradores.
“Eu sabia que precisava transformar a Alcoa. Mas você não pode mandar as pessoas mudarem. Por isso decidi que era melhor começar enfocando em uma única coisa. Se eu pudesse começar desmanchando os hábitos relacionados a uma única coisa, isso se alastraria pela empresa toda” De Paul O´Neill, o CEO responsável pela transformação da Alcoa e que focou sua estratégia em um único hábito angular: a segurança dos trabalhadores. Desta forma, alterou totalmente o modo como as pessoas na empresa tomavam suas decisões.
Os exemplos do Hospital de Rhode Island e do incêndio no metrô de Londres são bastante ilustrativos de como os hábitos impactam o dia a dia das empresas, para o bem ou para o mal. Como os processos de tomada de decisão podem estar condicionadas por hábitos irracionais, que acabam por destruir as organizações.
Ferramenta essencial para o autoconhecimento. Seguimos investigando.
Em relação a pergunta no inicio do post, o COVID mudou a rotina de muita gente. Sumiu com alguns gatilhos e criou outros. Mudou nossas estruturas de recompensas. Novos hábitos foram incorporados e outros foram momentaneamente descartados, porque continuam guardados na nossa cabeça. Só precisam dos gatilhos antigos para que eles surjam de novo. Pessoalmente, e tentando isolar todo o impacto negativo associado à doença em si, temos uma oportunidade como nenhuma outra para estar atentos a nossa rotina e pensar em estratégias racionais de ajustá-la para melhor.
Aquelas deixas que sempre falam por si mesmas:
“Toda a nossa vida, na medida em que tem forma definida, não é nada além de uma massa de hábitos” Willian James, 1892
“Os gânglios basais eram essenciais para recordar padrões e agir com base neles. Os gânglios basais, em outras palavras, armazenavam hábitos mesmo enquanto o resto do cérebro adormecia”. Sobre como os hábitos atuam de forma inconsciente e, muitas vezes, totalmente independente de nossa memória de curto prazo.
“Este processo – em que o cérebro converte uma sequência de ações numa rotina automática – é conhecido como “chunking” (agrupamento) e está na raiz de como os hábitos se formam”
“Quase todo comportamento pode ser transformado se a deixa e a recompensa continuarem as mesmas”, a regra de ouro da mudança de hábito.
“Bowman também percebeu que Phelps, mesmo numa idade tão precoce, tinha uma capacidade para a obsessão que fazia dele um atleta ideal. Por outro lado, todos os atletas de elite são obsessivos” sobre Bob Bowman, o treinador de Michel Phelps, multi-campeão olímpico, que estabeleceu uma série de rotinas e hábitos para que a performance do nadador fosse a mais automática (e eficiente) possível.
“O que Bowman podia dar a Phelps, no entanto – o que o distinguiria de outros competidores – eram hábitos que fizessem dele o nadador mentalmente mais forte na piscina”.
