Mauá – “O Imperador e o Rei” e “o Primeiro Gigante”

Irineu Evangelista de Souza foi o primeiro grande empreendedor brasileiro. Nasceu em uma família humilde, no interior do Rio Grande do Sul, em 1813. Quando tinha cinco anos de idade seu pai foi assassinado por ladrões de gado e ele foi obrigado a ir morar com o tio, no Rio de Janeiro.

Neste ano de 1818, o Brasil estava prestes a conseguir sua independência da coroa portuguesa. Era uma nação agrícola e escravista, vivendo basicamente dos comércios de açúcar e café. Irineu conseguiu o primeiro emprego como caixeiro (ou balconista) na empresa de um negociante de escravos português. Em alguns anos, foi promovido a guarda-livros e começou a se interessar e se aprofundar em contabilidade, números e negócios. Ficou responsável por cobrar e pagar as dívidas do patrão. Com as economias de seu salário, viu a oportunidade de comprar ações ao portador do Banco do Brasil, que não vinha muito bem das pernas, com um desconto de até 80% do valor de face. Mais tarde venderia estas ações por um bom valor.

Ainda trabalhando para o comerciante português, conhece o Sr. Carruthers, um inglês dono de uma empresa grande de importação e exportação de mercadorias. O inglês logo percebeu o potencial de Irineu e o convidou para trabalhar com ele. Irineu teve a oportunidade de aprender inglês, teve acesso as ideias liberais e capitalistas (de economistas como Adam Smith e John Stuart Mill) e tomou gosto por ganhar dinheiro. O Sr. Carruthers o apresentou a maçonaria e, mais tarde, quando voltou a sua Inglaterra natal, o deixou como sócio minoritário de sua empresa no Brasil.

Sua trajetória como empreendedor começa em um momento de transição importante do país. A Inglaterra estava consolidando sua Revolução Industrial e usava seu poderio bélico para acabar com a escravidão e criar novos mercados para suas mercadorias produzidas em série com máquinas industriais. Este movimento gerava muita resistência da elite escravocrata e extrativista do Império do Brasil.

Este contexto deu surgimento a primeira grande oportunidade de negócios próprios para Irineu. Tinha acabado de voltar de uma visita a Inglaterra, quando o governo brasileiro impôs altas barreiras alfandegárias aos produtos importados. Era uma grande oportunidade para começar a produzir produtos nacionais. Com tecnologia inglesa e aproveitando a liquidez de capitais, resultado da proibição do tráfico de escravos, montou uma serie de indústrias (fundição de ferro, de bronze, mecânica, ferraria, serralheria, caldeiraria de ferro, construção naval modeladores, aparelhos, velames e galvanismo) como foco em obras de infraestrutura, a empresa Ponta de Areia. Em pouco tempo, fabricava tubos de encanamento para saneamento público, máquinas de tear e motores a vapor. Com muitas concessões de obras públicas, ganhou muito dinheiro e tornou-se o principal empresário do Império.

Irineu, que a esta altura também já tinha fundado um banco, tornou-se o Barão de Mauá quando, a pedido do próprio Imperador Dom Pedro II, financiou com capital próprio o governo uruguaio na Guerra do Prata, contra a Argentina. Um pouco depois, construiu a primeira ferrovia do Brasil e foi um dos primeiros a desbravar a Amazônia. O Barão de Mauá tinha um orçamento anual maior do que o próprio Império e quase 2/3 do PIB brasileiro passavam por suas mãos.

Tamanho poder despertou muita inveja e preocupação na corte imperial, que começou a implementar medidas para diminuição da hegemonia de Mauá na economia. Fundaram um banco público e estimularam uma corrida aos bancos privados. A saída abrupta de depósitos quebrou o banco. Ele ainda tentou recuperar seu prestígio com o Império construindo cabos submarinos de telégrafo do Brasil à Europa, com recursos 100% próprios e sem cobrar nada. Por este feito foi agraciado com o título de Visconde de Mauá.

Mas, o título de Visconde não foi suficiente para evitar um incêndio criminoso à fábrica Ponta de Areia, o default da dívida do governo uruguaio e uma traição dos ingleses na construção da ferrovia São Paulo-Jundiaí. Todos eventos grandes demais e quase simultâneos o levaram a falência. O visionário, com espírito liberal, exímio realizador e o primeiro grande industrial brasileiro, tinha sucumbido aos interesses políticos de curto prazo.

Existe muito material sobre Mauá disponível, entre eles as 187 páginas da “Exposição do Visconde de Mauá aos credores de Mauá & Cia”, autobiografia com sua trajetória e história. O filme Mauá – O Imperador e o Rei, de 1999, com a participação de grande elenco global (Paulo Betti, Malu Mader, Hugo Carvana, entre outros) e o documentário produzido pelo canal History Channel, Mauá – O Primeiro Gigante, são duas excelentes pedidas. A série foi resultado de um piloto de 4 episódios com grandes brasileiros empreendedores –  Francesco Matarazzo, Percival Farquhar, Giuseppe Martinelli e Guilherme Guinle (o trailer do filme e os teasers das series estão no final do post).

Histórias de gente com ambição de construir um Brasil potência, relevante para o mundo, aberto e internacional e com um compromisso quase infinito com estes objetivos não são comuns em nenhum tempo, presente ou passado…

“Na idade avançada em que me acho, em presença do acontecimento que motiva esta exposição, realizado pelo modo por que foi resolvido, não posso ter outro objeto em vista senão salvar do naufrágio aquilo que para mim vale mais do que quanto ouro tem sido extraído das minas da Califórnia – um nome puro, pois persisto em acreditar que o infortúnio não é um crime. ”

“Na primavera da vida havia eu já adquirido, por meio de infatigável e honesto labor, uma fortuna que me assegurava a mais completa independência. (…) Bastaram vinte anos de atividade sem repouso, além do preciso para recuperar a perda de forças, que o lidar contínuo, acompanhado da necessária meditação, opera no organismo que suporta a pressão dessas lides, para assegurar-me uma renda superior a 50 contos anualmente (…)

“Travou-se em meu espírito, nesse momento, uma luta vivaz entre o EGOÍSMO, que em maior ou menor dose habita o coração humano, e as idéias generosas que em grau elevado me arrastavam a outros destinos, sendo a idéia de vir a possuir uma GRANDE fortuna, questão secundária em meu espírito, posso dizê-lo afoitamente, com a mão na consciência e os olhos em Deus”

Extratos de MAUÁ, Irineu Evangelista de Souza, Visconde de. Autobiografia: Exposição aos credores e ao público

“o Mauá que encontramos é um homem sofrido que se sacrifica por uma causa: a modernização material de seu país. Desde suas primeiras páginas, Mauá já prepara o cenário no qual se desenrolaria o combate entre ele – o herói do progresso nacional – e o Estado brasileiro – bastião do conservadorismo político”

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