Princípios

Princípios

Ray Dalio

E se as empresas, as pessoas e os mercados funcionassem por meios de algoritmos? Se conseguíssemos conhecer as regras de cálculo que regem estes fenômenos poderíamos geri-los de forma eficiente e direcioná-los para determinados objetivos. Um evento inesperado ou uma falha seriam somente mais elementos para aperfeiçoar o modelo.

Com observação, métodos, processos, dados e computadores, Ray Dalio levou premissas como essas ao extremo e estabeleceu princípios para as tomadas de decisão no seu dia a dia. Com sua metodologia, criou um dos maiores fundos de hedge e se transformou em um dos mais sofisticados traders de derivativos do mundo. A Brigdewater, empresa que começou em um apartamento em NY em 1975, hoje tem mais de usd 130 bilhões em Ativos sob Gestão. Entre clientes e pessoas de influência de Dalio estão nomes como Bill Gates, Tonny Robinson e políticos e formadores de políticas de diversos países, entre eles a China.

Ray Dalio era filho de um músico profissional de Jazz e teve uma trajetória natural até a fundação de sua empresa de investimentos. Começou cedo e, já com 8 anos de idade entregava jornal, removia neve da calçada, carregava tacos de golfe, recolhia louça e lavava pratos em troca de uns mangos. Com a grana, comprava ações. Era apaixonado pelo mercado financeiro. Aprendeu a estudar na faculdade e se formou em finanças com pontuação perfeita. Fez MBA em Harvard e foi escriturário em Wall Street. Em pouco tempo era trader de commodities.

Montava modelos econométricos no trabalho. “Modelava mercados como máquinas”, buscando as relações de causa e efeito entre as variáveis econômicas e seus correspondentes no mercado financeiro. Preço do boi, valor da terra, das moedas, inflação e políticas econômicas. Praticamente criou o mercado moderno de derivativos, que segundo o BIS, em 2019 valia usd 11 trilhões (Global OTC derivatives Market).

Dalio é um formatador, segundo seus próprios modelos de personalidade (ele é um usuário e defensor dos modelos psicométricos, entre eles o MTBI). Visualizava sistemas complexos como máquinas e fez isso em outras esferas da vida, além do mercado financeiro. Montou modelos de seleção e avaliação de funcionários (que ele chama de associados). Acho seu livro, como ele mesmo sugere, uma espécie de manual para consulta nos momentos de tomada de decisão. Ele pode virar política na empresa ou um manual da sua própria vida.

“Um formatador é alguém que surge com visões únicas e valiosas, que as constrói de maneira maravilhosa e que geralmente vence as dúvidas e a oposição dos outros”

Seus princípios estão organizados em três capítulos: Trajetória Pessoal, Princípios para a Vida e Princípios para o Trabalho. Os dois primeiros capítulos tratam de autoconhecimento e a luta de domínio entre o “eu superior” (racional, consciente) e o “eu inferior” (emocional, natural), temas que já repassamos bastante aqui no blog. Interessante ver como Ray trata estes conceitos de forma pragmática e objetiva, buscando o auto aperfeiçoamento constante. Sugere para que as pessoas estejam atentas a todos os padrões que as afetam e os trate de forma realista, reflexiva e radicalmente aberta.

Na Parte III, repassa seus Princípios para o Trabalho, onde incorpora e expande os temas da parte anterior em ferramentas práticas aplicadas no dia a dia de sua organização. O objetivo é passar os processos de tomadas de decisão racional e “superior” para todos os membros da organização, em suas principais esferas. Todas as decisões passam a ser tabuladas e modeladas, com dados e critérios abertos para que todos possam entender e incorporar os critérios de decisão.

Suas sugestões estão longe de serem senso comum e não são tão fáceis de implementar como pode parecer, mas tratam de tirar o máximo possível da interferência das emoções nas tomadas de decisão.

Vale a pena repassar e registar alguns destes conceitos:

• Meritocracia de Ideias

Elemento fundamental da cultura da empresa, que implica em um processo decisório com Sinceridade e Transparência Radicais, onde todos os membros da equipe sabem seus pontos fortes e fracos e o mesmo de seus companheiros, e onde as decisões são discutidas de forma aberta e transparente e, finalmente, ponderadas pela credibilidade dos tomadores de decisão.

Esta cultura forte seleciona, treina e mantém os profissionais da forma mais precisa possível, descartando rapidamente aqueles que não se adaptam e promovendo os de melhor performance. Uma espécie de moedor de carne que já separa a parte boa da parte ruim do pedaço de churrasco.

• Ferramentas (que chamam a atenção pelo engenho e aplicação):
  • Treinador: um chatbot de Inteligência Artificial que recebe perguntas e tenta responder com bases nos princípios da empresa. Uma espécie de conselheiro (ou coaching) virtual que, claro, se retroalimenta dos feedbacks dos usuários. Uma Siri corporativa que ajuda a resolver problemas.
  • Coletor de Pontos: aplicativo utilizado em reuniões que permite aos usuários expressarem seus pensamentos e opiniões sobre um assunto especifico. Permite a ponderação de pontos pela credibilidade (conhecimento e experiência comprovados com aquele assunto especifico) de cada um.
  • Cartas de Estatísticas de Desempenho: coleta e tabula os dados de cada funcionário, como tomam decisão, que tipo de projeto entregam, quais as forças e fraquezas de cada um. Ajuda na seleção de pessoas para projetos ou fins específicos.
  • Registro de Ocorrências: onde se registram os erros da empresa e se aprende com eles. Servem para alimentar o algoritmo Resolvedor de Problemas da empresa (como o GPS, de Newell e Simon)
  • Botão da Dor: espécie de psicólogo de bolso. Os usuários registram as emoções que estão sentindo em determinadas situações (raiva, decepção, frustação, etc) na hora em que surgem. Mais tarde conseguem analisar e refletir sobre aquelas situações com perguntas especialmente preparadas para uma reflexão orientada.

O tipo de raciocínio e os modelos mentais de Dalio impressionam pelo cuidado e precisão técnicos, e sua absoluta racionalidade e efetividade. Se somos máquinas e um mundo é uma engrenagem, é melhor conhecer em profundidade com que peças, combustível e tipo de manutenção precisamos para estar nosso máximo potencial, pelo maior tempo possível…

Excelente livro. Elevou os conceitos que trabalhamos no blog a uma quinta derivada…. Se no final do livro você ficar com a impressão de que parece um relato de ficção-científica, bem-vindo ao século XXI.

Um bom livro, merece uma boa música. Sugiro repassar as frases abaixo em uma reflexão com a música L`Arena, do Ennio Morricone, que nos deixou esta semana…

“Aquele que vive segundo a bola de cristal está destinado a comer cacos de vidro”

“Acredito que a dinâmica mais valiosa para quem quer aprimorar um processo de tomada de decisão consista em: pensar com cuidado nos princípios que norteiam essas escolhas, coloca-los em palavras e depois transforma-los em algoritmos computacionais, se possível testar os algoritmos retroativamente e também aplicá-los em simulações de tempo real, tudo isso em paralelo as decisões tomadas pelo seu cérebro. ”

“Passei a ver que as maiores fraquezas do ser humano são o lado inverso de sus maiores forças”

“Heróis não nascem heróis, vão se transformando à medida que os acontecimentos da vida se desenrolam”, mencionando a jornada do herói, de Joseph Campbell.

“O que vi é que as pessoas mais felizes descobrem sua própria natureza e adaptam sua vida a elas”.

“Visualizar sistemas complexos como máquinas, compreender as relações de causa e efeito dentro deles, escrever os princípios utilizados para lidar com eles e alimentar o computador com essas informações a fim de que pudessem “tomar decisões” por mim se tornaram práticas comuns. ”

“Minha capacidade de visualizar maquinas complexas nos deu uma vantagem competitiva sobre aqueles que trabalhavam sem pensar muito, e no fim mudou a maneira como essas industrias operavam”.

“Como o gado se alimenta de grãos (principalmente milho) e farinha de soja, e como milho e soja competem por área de plantio, esses mercados são bastante semelhantes. Aprendi quase tudo que se pode imaginar a respeito do assunto – quais eram as áreas de plantio e safras médias nas principais regiões de cultivo; como converter níveis pluviométricos em diferentes semanas da época de crescimento em estimativas de safras; como projetar tamanhos de colheitas, custos de transporte e inventário de gado, segundo peso, localização e taxas de engorda; e como projetar a proporção de carcaça em relação ao peso do animal vivo, a margem dos varejistas, as preferências do consumidor para cortes de carne e número de cabeças a serem abatidas em cada estação.”

“Percebi que tempos ruins, quando acompanhados por boas reflexões, fornecem melhores lições, não apenas para os negócios, mas também para as relações”.

“Graças ao processo de registrar sistematicamente meus princípios de investimentos e os resultados que poderia esperar, eu tinha uma grande coleção de fluxos de rendimento não correlacionados”.

“As pessoas certas, trabalhando em equipes informatizadas, são a chave para ao sucesso”

Formatadores:

Bill Gates, Elon Musk, Reed Hastings, Muhammad Yunus, Greoffrey Canada, Jack Dorsey (Twitter), David Kelley (IDEO)

• Pensadores independentes, não deixam nada ou ninguém entrar no caminho de suas metas audaciosas
• Tem mapas mentais muito fortes de como tudo deve ser feito e, ao mesmo tempo, disposição para testa-los no mundo real, mudando suas abordagens para torna-las mais eficientes
• Tem visão de alcance mais amplo que a maioria das pessoas
• Criativos, sistemáticos e práticos
• Fazem tudo com fervor, são intolerantes com membros da equipe que não atendem ao padrão de excelência e querem produzir uma impacto grande e benefício no mundo
• Em uma das avaliações de personalidade, há uma categoria na qual todos foram muito mal chamada “Preocupação com os outros”.
• “Planejar soluções e garantir que os planos sejam implementados é o que eu chamo de formatar”
• Formatador = visionário + pensador prático + determinado
• Atributos: curiosidade intensa, necessidade compulsiva de entender as coisas, pensamento independente que beira a rebeldia, necessidade de sonhar grande e de maneira não convencional, espirito prático, determinado para superar os obstáculos e, por último, noção das próprias fraquezas e forças, e também as dos outros, sendo capaz de orquestrar equipes para atingir metas.