A Inventora

The Inventor: out for blood in Silicon Valley

Para todos aqueles que estão interessados pelo tema empreendedorismo, sobre start-ups, o Vale do Silício e todos os seus equivalentes espalhados pelo mundo, recomendo fortemente este documentário, lançado a poucos meses pela HBO. Fiquei bastante tempo repassando a trajetória de Elizabeth Holmes, a principal protagonista desta história, que poderia perfeitamente ser um personagem de um livro de John Grisham.

Elizabeth é uma empreendedora americana que, com 30 anos de idade, foi considerada uma das mulheres mais poderosas do mundo, simultaneamente, pelas revistas Time e pela Forbes, dois dos veículos de maior prestígio do mundo de negócios. Era a principal acionista de uma companhia avaliada em USD 9 bilhões.

Com 19 anos iniciou o projeto que mais tarde se converteria em uma empresa chamada Theranos, que prometia desenvolver um produto revolucionário e totalmente disruptivo que ia transformar o mercado de exames biológicos. Com uma única gota de sangue, extraída de forma indolor, via um dispositivo de 1,2 cm que podia ser enviado pelo correio, sua companhia seria capaz de executar quase 200 testes laboratoriais das mais diversas características.

Todos os exames seriam executados em um aparelho do tamanho de uma impressora portátil e seus resultados estariam disponíveis de forma quase automática. Somente com o sonho e esta ideia conceitual, conseguiu convencer universidades como Stanford a financiar sua pesquisa (USD 300 milhões), levantou mais de USD 700 milhões com fundos de investimentos de ponta nos Estados Unidos e até ficou sócia de nomes de peso, ex-secretários de defesa como Henry Kissinger, um ex-CEO do Wells Fargo e Rupert Murdoch. Mais tarde, se associou a Walgreens, uma das maiores cadeias de farmácias americanas. Sua empresa estava instalada no Stanford Research Park e chegou a contar com uma equipe de 800 pessoas altamente qualificadas, entre eles o chefe do Departamento de Ciências de Stanford, Channing Robertson.

A forma como Elizabeth, que se define como uma empreendedora, conquistou tanta notoriedade em um espaço tão curto de tempo (em menos de 3 anos) é impressionante. Sua personalidade tem todos os atributos clássicos dos grandes fundadores de empresas: paixão, otimismo, ambição, idealismo, uma super autoestima, persistência, confiança, capacidade de persuasão, empatia e uma baita habilidade para vender a história da sua caixa mágica (que tinha o nome sugestivo de Edison, em homenagem ao Mago de Merlo Park, Thomas Edison, que registrou mais de 2000 patentes e fez numerosos intentos antes de finalmente inventar a lâmpada).

Faltou somente um detalhe: o produto nunca foi viável. A execução de tal inovação, do ponto de vista técnico, mostrou-se impossível, apesar dos milhões de investimentos e de contar com as melhores cabeças dedicadas a ele. Até aqui, estamos falando de uma história relativamente comum de startups. Um excelente empreendedor, com uma ideia disruptiva, que mesmo com recursos abundantes, acabou não vingando.

A diferença é que foi impossível reconhecer o fracasso depois de tanta publicidade e holofotes. Foi impossível curar a “febre do ouro” que envolveu tanta gente. A empresa acabou sendo julgada por fraude, quebrou e teve que reembolsar a milhares de pacientes que tiveram seus exames médicos divulgados de forma incorreta. Ocultava os avanços da pesquisa, mantidos de forma sigilosa para uma pretensa defesa da concorrência e mentiu para clientes fazendo os exames em laboratórios tradicionais. Em alguns casos, colocou em risco a saúde das pessoas com resultados de baixa qualidade. Assediava moralmente a seus empregados mais questionadores com comentários do tipo “talvez você não seja uma pessoa para o Silicon Valley. Vamos encontrar alguém que compartilhe a nossa visão”. Uma farsa enorme e assustadora.

O que faltou a Elizabeth? Ética, sem dúvida. Mas será que tudo isso tem a ver com a personalidade específica de Elizabeth, que no fim das contas saiu execrada pela opinião pública, ou tem algo mais? Não quero eximir Elizabeth de sua responsabilidade. Mas, é impossível que uma pessoa tenha pensado em todos os passos deste esquema de forma premeditada. Não tenho dúvida de que ela acreditava no projeto de forma genuína. Acreditou até o final. E as pessoas que a apoiaram, também. O ponto é que desarmar o circo não era fácil. “Fake, until you make”. Este era o lema.

Elizabeth não é a única culpada nesta história. Muita gente caiu no conto do dinheiro rápido e fácil. Muita gente viveu a euforia de contar mais uma história linda do sonho americano de sucesso instantâneo. Muita gente se iludiu com as possibilidades de uma tecnologia mágica capaz de resolver todos os problemas da humanidade.

Vivemos em uma era em que o impossível não existe mais. Em uma era em que as promessas podem valer mais do que os feitos passados. Em que os lucros futuros valem mais do que dinheiro no caixa. Mas, em uma era em que admitir as falhas ainda é um pecado. O caldo de cultivo perfeito para histórias como esta. Elizabeth sentia que fazia o mesmo que todos os outros no Vale do Silício. Alguns acertam e outros erram. Tenho a sensação de que veremos cada vez mais contos deste tipo, em maior ou menor escala…

Vejam o documentário e depois de me digam o que acharam!

elizabeth_holmes